A Linhagem dos Visionários
Nos círculos mais influentes da tecnologia, há quem defenda que as "pessoas inteligentes devem ter muitos filhos".
Afinal, o mundo precisa de engenheiros, programadores e visionários para povoar Marte – ou, pelo menos, para garantir que a rede social X (antigo Twitter) continue operacional. O apelo ao fabrico em série de génios não é exatamente uma novidade. Há séculos que se sonha com linhagens puras, sem a interferência desagradável da aleatoriedade genética. E essa visão parece ganhar força entre alguns multimilionários, a julgar pelo entusiasmo com que certos nomes multiplicam a sua descendência.
Curiosamente, esta ideia não anda longe da lógica distópica de The Handmaid’s Tale, romance de Margaret Atwood adaptado para o streaming, em que a reprodução deixou de ser um capricho biológico para se tornar uma missão de Estado. Em Gilead, as servas não tinham escolha. Neste mundo de que falamos, a persuasão cumpre o seu papel: sem amor, sem encantamento, apenas um projeto calculado. A natalidade elevada é um dever de classe, um imperativo quase moral para quem quer um bilhete para o futuro. Embora alguns defendam que ter muitos filhos é um investimento no amanhã, a questão permanece: será sempre uma escolha racional ou apenas um reflexo de condicionamentos sociais?
É claro que ninguém sugere um regime de reprodução forçada. Aqui não há comandantes nem esposas guardiãs. Ou melhor, há, sim: um dos homens mais ricos do mundo é agora chefe do Departamento de Eficiência Governativa, o principal assessor do Presidente. A eugenia de Silicon Valley trata do resto, convertendo a parentalidade num investimento estratégico. A promessa é clara: criar linhagens de visionários e moldar as próximas gerações sem perguntar se estas querem carregar tal destino. O futuro é demasiado importante para ser democrático.