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Cidade sem Tino

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade sem Tino

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

.
Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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04
Jul25

A Roda e o Vento

Mandala.jpg

Em tempos em que as linhas entre o sagrado e o absurdo se tornam cada vez mais ténues, a ideia de reencarnação ganha novos contornos.

 

 

O Testamento

Num mosteiro suspenso nas alturas rarefeitas de Dharamsala, sob uma luz dourada filtrada por bandeiras de oração que dançam com o vento ancestral, o 14.º Dalai Lama, com olhos de paz profunda e voz como pedra antiga, dirige-se ao mundo:

Quando eu partir, voltarei. Não nascerei onde me esperam. Serei homem — mas não moldado. Livre da mão do império. Leiam os sinais com pureza. E não temam o desvio.

A China reage com firmeza ritual, prometendo conduzir o processo com os seus protocolos apertados como algemas. Mas o mundo escuta. E os monges, em segredo, começam a preparar o inevitável.

 

O Vazio

A morte do Dalai Lama não tem som. Um frio denso espalha-se pelas planícies e vales.

Convocam-se oráculos. Rituais milenares cruzam os corredores dos templos. Os monges estudam estrelas, fragmentos de sonhos, deslocações de energia.

O oráculo murmura três sinais: silêncio denso, reflexo ausente, orgulho inato.

Dharamsala transforma-se num centro de vigília espiritual. Abrem-se arquivos ancestrais com luvas brancas. Mapas cármicos sobrepõem-se como mandalas cifradas.

Forma-se uma comitiva sagrada: lamas experientes, astrólogos, linguistas, noviços com relíquias ao peito, olhos como lanternas.

Partem para os Himalaias, os Andes, os Alpes, os Apalaches — as periferias invisíveis e as metrópoles onde a alma se esconde sob o betão e o consumo. A sua presença é quase invisível — e, ainda assim, imparável.

Consultam calendários lunares, escutam parteiras, analisam nascimentos coincidentes com o último suspiro do mestre.

Em cada casa com aura suspeita, oferecem os objetos — um sino, uma tigela, um colar de madeira antiga — para acordar a memória. Procuram gestos automáticos, olhos que reconhecem o invisível, dedos que hesitam antes de escolher.

Vivem meses entre malas feitas e desfeitas, silêncios e mantras. A imprensa especula. O povo sussurra. Mas nada é certo.

A reencarnação escapa. As visões contradizem-se. Instala-se uma angústia sem nome, como se o novo Dalai Lama não quisesse ser encontrado. Ou pior: como se estivesse deliberadamente fora do mapa.

 

A Revelação

Nos subúrbios de um continente distraído, uma mulher comenta com os vizinhos que o filho é... estranho.

Fala com palavras de homem feito. Corrige adultos. Dá ordens a quem não o escuta. Detesta jogos que não impliquem autoridade. Promete grandeza. Exige reverência. Nunca pede desculpa.

E passa muito tempo ao espelho, a ensaiar poses para o olhar dos outros.

Certa vez, proclama:

O mundo precisa de mim. Mas não está pronto.

Quando os monges chegam, são recebidos por brinquedos alinhados com rigor militar. De uma bolsa retiram os objetos antigos, que dispõem sobre uma mesa de vidro. O menino aproxima-se, olha, toca, depois murmura:

— That was mine! The bell is off-key. So are you.

Silêncio absoluto. Um dos monges fecha os olhos, como se escutasse um sinal. Outro anota algo com mãos trémulas — talvez iluminação, talvez cobiça.

O menino tem quatro anos. Rechunchudo. Pele clara. Uma boquinha quadrada, que articula frases simples com a precisão de quem acredita que cada palavra sua é lei. O olhar é tão firme quanto altivo. Usa fatinho azul escuro, gravata vermelha absurda, a roçar-lhe os joelhos — como se fosse emprestada — e penteado cuidadosamente esculpido num laranja improvável, desafiando o vento, o karma e o bom senso.

O ciclo fecha-se. A roda do renascimento girou… e tropeçou. O universo riu-se. Não foi de alegria.

 

Nota: A mandala que abre este post é um símbolo visual do universo e da impermanência, usado em tradições budistas. Representa ciclos de existência — perfeitos à vista, mas frágeis no centro. Tal como a história que acaba de se fechar.


15
Jun25

Nova Utopia: Crónicas de um Não-Lugar

Não reconheço deuses. Apenas equações. E mesmo essas estão sujeitas à dúvida. (Zylon Husk)

 

 

Em tempos recentes — ou futuros, o calendário já pouco importa — os Estados Iluminados da Grande Amérika sofreram uma reconfiguração populista-messiânica. Sob a batuta de Ronald Drunke, presidente vitalício e autoproclamado Sumo Pontífice da Nova Fé — ou, como gostava de ser referido, o “Papa Laranja” — foi criado o Gabinete da Fé: um conclave de tele-evangelistas especializados em transformar promessas de riqueza instantânea em doutrina de Estado.

Da corte balnear de Mar-a-Charco, rodeado de aduladores digitais e coristas automáticos, Drunke comandava os algoritmos do credo nacional — agora reprogramados para substituir relatórios científicos por parábolas de prosperidade — e distribuía as narrativas oficialmente sancionadas de que Deus o entronizara no poleiro supremo da Nova Fé.

“Marte é domínio sagrado da Grande Amérika”, declarou um dia, vestido com manto bordado a insígnias patrióticas, tiara papal forjada a partir de um boné “Make Earth Great Again”, e iluminado por uma versão remixada do hino nacional, com coros sintetizados.

A transmissão ecoou nas vastidões silenciosas de Marte. Zylon Husk, físico visionário e tecnocrata devocional, governava a colónia marciana de Nova Utopia. A propriedade era partilhada, o trabalho repartido com precisão — seis horas por dia —, a lógica ensinada nas escolas, e o progresso avaliado por algoritmos auditáveis. Era um lugar de pausa e de cético esplendor.

Foi então que Drunke, em nome da Nova Fé, emitiu o Ato de Supremacia Cósmica, exigindo que a Nova Utopia reconhecesse a sua autoridade divina — mesmo fora da atmosfera terrestre. Zylon respondeu com uma frase seca:

“Não reconheço deuses. Apenas equações.”

Para Zylon Husk, a verdade não se impunha — depurava-se. Não era um dogma, mas uma hipótese que resistia ao tempo. Nunca seguiu profetas, mas sempre desconfiou dos que falavam em nome da certeza. E se o seu mundo era feito de algoritmos, era porque preferia sistemas auditáveis à opacidade da fé embalada.

Consta que aí teve início o Cisma dos Algoritmos. Drunke, entre cólera e revelação, excomungou Husk como herege interplanetário. A corte de Mar-a-Charco reuniu-se numa transmissão solene em direto e anunciou o envio da Bomba da Fé Absoluta — uma arma sagrada e maravilhosa, criada para apagar dúvidas e impor verdades simples, fáceis e patrióticas.

Na Terra, dizia-se — em voz baixa e por canais pouco confiáveis — que talvez a fé de Husk não fosse negação, mas uma outra forma de crença. Uma que afirmava que a verdade é um bem partilhado — não propriedade privada do poder. Essas vozes foram apagadas. O seu lugar foi ocupado por um número de série.

Em Marte, Zylon Husk não esperava ser salvo. Não era mártir, nem herói — e, acima de tudo, não era sentimental. Por isso, fez apenas o que lhe competia.

Ligou o terminal pessoal. Gravou o seu último registo, encriptado e programado para se apagar sozinho passadas 24 horas. Limpou todos os ficheiros, desligou os alarmes e calou as mensagens automáticas que pudessem denunciar o que se passava. De seguida, escreveu o comando final e confirmou sem hesitar.

Antes de tudo se silenciar, deixou um último apontamento no registo:

A perfeição é uma variável.
A dissidência, um erro.
O silêncio, pura eficiência energética.

Transferiu uma Dogecoin para o moderador — o óbolo de quem atravessa fronteiras irreversíveis.

Saiu em direção à estufa. Foi regar tomates hidropónicos.

 

More.jpg

The Execution of Sir Thomas More, 1591 — A. Caron

 

Nota:

Thomas More escreveu Utopia em 1516, como provocação ética e literária:

Onde há propriedade privada e tudo se mede pelo dinheiro, nunca haverá justiça nem bem comum.

Mas talvez o contrário só exista num não-lugar — naquela ilha impossível onde a sátira subtil não precisa sequer de enfrentar carrascos.

Num gesto de extraordinário humor e dignidade perante a morte, More levou consigo uma moeda para dar ao seu carrasco — como à época noticiava o Guardian.

Nova Utopia é uma visita crítica a esse não-lugar — agora em órbita, entre algoritmos e dogmas recicláveis. 

Mas atenção: Zylon Husk não escreve utopias. Ele recita linhas de código — como outros recitam orações.

 

05
Mai25

À Procura da Consciência no Cérebro de Ronald Drunke

Há mais dúvidas do que certezas sobre a localização da consciência — mas registam-se, agora, avanços.

 

 

Durante décadas, a neurociência tem-se empenhado em localizar a consciência no cérebro humano — com a ajuda da ressonância magnética, da filosofia da mente e, mais recentemente, de várias doses de resignação epistemológica. No entanto, nenhum caso se revelou tão enigmático como o de Ronald Drunke, presidente dos Estados Iluminados da Grande Amerika e entusiasta do uso criativo da linguagem e de mecanismos com consequências irreversíveis.

Descrito pelos seus apoiantes como “uma lenda viva da liberdade bem barbeada” e pelos cientistas como “material de pós-graduação em neuroestranheza”, Drunke tornou-se o epicentro de uma nova vaga de investigações sobre a localização — ou a possível ausência — da consciência crítica em figuras de poder.

A investigação concentrou-se inicialmente em áreas cerebrais ligadas à tomada de decisões morais. O córtex pré-frontal ventromedial, associado à empatia e à culpa, revelou um nível de atividade que alguns descreveram como “estável... tal como a consciência de um espelho”. O córtex orbitofrontal, responsável por avaliar consequências sociais, acusou picos de resposta apenas perante palavras como “bónus”, “aplauso” e “luxo fiscal”.

Já a amígdala, que processa medo e aversão, reagiu de forma explosiva ao termo “crise climática”. Um técnico de laboratório relatou que, ao ouvir “cooperação multilateral”, o cérebro de Drunke libertou uma onda de adrenalina comparável à de um touro a ouvir Beethoven.

Segundo a teoria do duplo processo de Joshua Greene, as decisões morais humanas oscilam entre respostas emocionais rápidas e raciocínio deliberado. No cérebro de Drunke, os dois sistemas parecem funcionar em turnos separados, sem contacto uns com os outros — uma espécie de “divórcio neurológico com guarda partilhada da impulsividade”.

Face à complexidade do caso, os cientistas recorreram à psicologia política. Foi identificado um perfil caracterizado por baixa amabilidade, elevada necessidade de poder e uma autoconfiança que, segundo os dados, “dispensa realidade de suporte”. O seu estilo de liderança oscila entre o autocrático com efeitos especiais e o transformacional — mas só do próprio ego.

A equipa contou com a colaboração involuntária do vice, o cripticamente carismático J.D. Convex, e do Ministro para Todo o Serviço, Hylon Husk — homem que gere simultaneamente os assuntos da tecnologia, das finanças, das comunicações e da cozinha presidencial por “pragmatismo disruptivo”.

Em paralelo, investigadores de literatura e ficção científica sugerem que o caso Drunke se aproxima mais de um episódio de Os Simpsons dirigido por Tarkovsky do que de qualquer tratado de liderança.

Apesar das incertezas, os cientistas não desistem. Continuam a explorar hipóteses com imagens cerebrais, algoritmos de análise comportamental e, como último recurso, sessões de neuroespiritismo. Porque, se a consciência de Ronald Drunke existir, estará algures entre o córtex e a sala ovóide — para onde a razão é raramente convocada.

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28
Abr25

O Discurso de Ronald Drunke

Sala Ovoide, Drunke City (DC). Ao fundo, colunas douradas de brilho quase ofuscante e bandeiras gigantes, pesadas, dos Enlightened States of Great Amerika, tremulando ao ritmo de um vento mecânico e disciplinado.

 

 

Ronald Drunke está sentado numa cadeira de espaldar alto, com estofo vermelho-sangue enlaçado por talha dourada em espirais quase barrocas. À sua frente, sobre uma mesa ornamentada com relâmpagos recortados em folha de ouro puro, repousa um diploma de pergaminho espesso, à espera da histórica assinatura presidencial.

As câmaras da Patriot Channel transmitem em direto para todo o mundo conhecido. A imprensa tradicional fora despedida; ficaram influencers devotos, funcionários e cidadãos modelo, todos imóveis e silenciosos, numa coreografia de reverência estudada.

Drunke ajeita o microfone sem se levantar, com movimentos lentos, deliberados e a solenidade de um monarca.

E então fala.

 

“Hoje é um dia absolutamente histórico. Histórico! Um daqueles dias que vamos contar aos nossos filhos, aos nossos netos, aos nossos cães, a toda a gente que nos ouvir, porque nunca houve nada assim. Nunca, guys!

Estamos a resolver algo que precisa ser resolvido — algo tão importante que, sinceramente, vai mudar tudo, para melhor. E quando digo “mudar tudo”, estou a falar de uma mudança que todos vão sentir, folks.

Mas antes de mudar o curso da nossa História, preciso de partilhar algo pessoal. Algo que vai fazer todo o sentido.

Outro dia, estava a tomar um duche – um duche patético, miserável, sem força, sem alegria. E sabem o que senti? Senti vergonha. Vergonha! E não era só eu. Milhões de great amerikans, milhões, passavam pela mesma humilhação todos os dias! Porquê? Por culpa deles. Por culpa dos fracos, dos vendidos, guys! Gente incompetente. Administrações fracassadas! Cortaram-nos a água. Cortaram-nos a grandeza.

E quem sofreu? Todos, incluindo o vosso presidente. E este cabelo! Este cabelo maravilhoso (muita gente diz ser o mais bonito do mundo – não sou eu que digo, toda a gente diz) ficou a perder. Sabem o que é tentar pentear-se com água a correr miseravelmente? É humilhante, guys. Humilhante!

A burocracia hidráulica queria chamar-lhe – preparem-se – Reposição da Pressão de Água Aceitável em Chuveiros. Ridículo! Triste! Fraco! Por isso mandámos esses burocratas para casa! Aqui só fica quem acredita na verdadeira potência dos nossos duches! Eu decidi chamar-lhe como deve ser: a Lei da Liberdade do Duche em Great Amerika! E vai ser linda. Vai ser… potente. Vai ser potente, folks!

Por isso, hoje, com enorme orgulho, assino a histórica Lei da Liberdade do Duche em Great Amerika. Uma vitória para todos os verdadeiros great amerikans. Uma vitória para todas as cabeças honradas deste grande país!

A partir de hoje, vamos ter duches como deve ser: potentes, fortes, livres.

Porque é assim que funciona, ok? Mais pressão de água – mais felicidade. Mais felicidade – mais amor à pátria. E mais amor à pátria, guys... significa varrer o comunismo! Até dos nossos duches, onde começa a verdadeira guerra pela liberdade!

It’s simple. It’s beautiful. It’s Great Amerika! Este é o melhor deal da história da água: água livre, cabelo impecável, nação invencível! Deus abençoe a Great Amerika. Deus abençoe a vitória da água. Deus abençoe este glorioso adorno capilar, símbolo da nossa liberdade, guys!”

 

Com gesto pesado e cerimonioso, Ronald Drunke desenha a sua assinatura no diploma. Sem se levantar, inclina-se para o vice J.D. Convex — que, de pé à sua direita e um passo atrás, o observa respeitosamente — e murmura, num tom grave e conspirativo: "Com esta caneta, liberto as águas de Great Amerika!"

Em seguida, faz um leve aceno de cabeça. De imediato, os sprinklers dourados da Sala Ovoide são ativados, lançando finos jatos cintilantes sobre a assistência.

Alguns aplaudem, ensopados, sorrindo com devoção enquanto limpam os olhos. Outros deixam-se banhar de braços erguidos, como fiéis extáticos numa cerimónia sagrada.

Drunke permanece imóvel, de expressão grave, ajeitando o cabelo com um gesto mecânico e solene.

A transmissão encerra com a bandeira da Grande Amerika tremulando em câmara lenta, entre gotas douradas que brilham como lágrimas – de vitória ou de desespero.

 

Nota:

Em 9 de abril de 2025, num país próximo dos Enlightened States of Great Amerika, foi assinada a ordem executiva Maintaining Acceptable Water Pressure in Showerheads, eliminando regulamentações restritivas sobre o uso da água no duche.

 

26
Fev25

Inquilinos e Proprietários

O Presidente Marcelo não renega o epíteto de inquilino do Palácio de Belém. Nem Macron o do Eliseu. Nem Zelensky o de Mariinsky.

 

 

Embora, em termos jurídicos, um Presidente da República não seja propriamente um inquilino – o termo mais preciso seria comodatário, pois ocupa a residência oficial a título gratuito –, a palavra surge aqui como metáfora da transitoriedade do poder. A imponência dos palácios presidenciais contrasta com a brevidade da passagem dos seus ocupantes.

Terão estas democracias chefes de Estado remediados que vivem confortáveis na condição de inquilinos de um palácio durante cinco anos? Ou será isto sinal da fragilidade democrática, que J.D. Vance, num exercício de hipocrisia retórica, apontou recentemente em Munique?

O inquilino sabe que há um prazo no contrato. O proprietário acha que as escrituras são para sempre.

Para um pater familias, a propriedade não é apenas um espaço físico, mas um símbolo de continuidade, controlo e legado. Não há lugar para a precariedade nem para a submissão a regras alheias. Quem é dono da casa dita as normas, molda o futuro e assegura que o seu domínio perdura no tempo. Neste sentido, a condição de inquilino, mesmo com meios próprios, pode ser vista como um estatuto menor – reflexo de um poder efémero e dependente, seja da vontade do senhorio ou do juízo dos eleitores.

Há quem se sinta incomodado na condição de inquilino. Mesmo quando a casa "arrendada" é branca. Imagine-se:

 

Oportunidade Única: Propriedade Icónica à Venda!

Por razões de eficiência governamental, esta emblemática residência está agora disponível para aquisição por um valor negociável (avaliado em 500 milhões de dólares).

Segurança máxima, a melhor vista para o poder e uma história que vale mais do que qualquer avaliação patrimonial. Área bruta de 55.000 pés quadrados distribuídos por seis andares, com 132 divisões, 35 casas de banho, três cozinhas, salas de conferência, jardins deslumbrantes e até um bunker secreto.

 

Virá o dia em que Trump comprará a Casa Branca, assegurando que ela permaneça na sua dinastia. Como bom negociante, saberá usar a pressão certa e o dinheiro para transformar a sua condição de inquilino num direito de preferência. Afinal, quem melhor do que ele para manter a casa em boas mãos?

Mas há pessoas que dispensam que lhes deem mais ideias.

 

14
Fev25

A Ordem do Absurdo

gulf+of+america+map+3.jpg

 

 

Senhoras e senhores, chegou o momento de Portugal se levantar contra a tirania das grandes potências! O nosso novo presidente, homem de visão e de um volume vocal impressionante, tomou posse com um discurso inflamado:

"O que os Estados Unidos andam a fazer é mau para Portugal, muito mau! A nossa principal prioridade é criar uma nação orgulhosa, próspera e livre. Hoje vou assinar uma série de ordens executivas históricas!"

E assinou. Com um pincel de 50 mm, num livro de 35 linhas, formato A1. Entre as medidas urgentes, destacavam-se:

- Retaliação contra a oligarquia americana – lançar uma ofensiva simbólica com aviões de papel no Golfo da América, enquanto, em total sigilo, se dava início a uma operação naval no Arkansas.

- Autonomia estratégica – nacionalizar a uva americana e americanizar o vinho do Cartaxo, agora vendido em packs com palhinha de plástico, sem taxas aduaneiras.

- Guerra cultural – invadir as McDonald's com menus de cozido à portuguesa e ocupar os ecrãs gigantes de Times Square com vídeos da Cristina Ferreira.

- Justiça política – enviar os vikings e o seu chefe para Rikers Island e deportar um certo magnata das redes sociais, devidamente acorrentado, para a África do Sul.

Entretanto, em Nova Iorque, Sua Excelência, o Embaixador do Absurdo (cargo que já foi de Cantinflas, convém lembrar) discursava na ONU: "Se as grandes potências podem reescrever o direito internacional conforme lhes apetece, porque não podemos nós?" – questionou, enquanto distribuía pastéis de nata às delegações presentes.

Ao mesmo tempo, nos ecrãs da CNN, Marques Mendes estreava-se como analista de política internacional. Diante dele, Larry King perguntava: "Portugal está a desafiar a ordem mundial?" Com a autoridade de quem sempre teve razão, o ex-candidato respondia: "Larry, Portugal não desafia. Portugal impõe."

Nos bastidores, o FMI e a NATO discutiam se deviam rir ou enviar um porta-aviões para a marina de Cascais. Em Bruxelas, altos dignitários da UE analisavam a situação com sobriedade, até que um deles resumiu: "Se isto continuar, ainda vai haver quem peça um referendo."

Lá fora, o mundo girava, indiferente. Afinal, se a política já é uma sátira, para que servem os humoristas?

 

Créditos: mapa da Gulf Shores News

 

29
Nov24

O Dia da Restauração

O_Dia_da_Restauração.png

No dia 1.º de dezembro celebra-se um histórico golpe de estado culinário: o momento em que ilustres chefs de cuisine esconjuram o cochinillo asado, proclamando o cozido à portuguesa como prato soberano. 

 

 

Tomados pelo espírito de mudança, os conjurados empenharam-se em tornar o cozido um símbolo de unidade e excelência acessível a todas as classes – nobreza, clero e povo.

Na disposição de devolver a primazia ao prato que alimentara gerações, 40 chefs, a que se juntaram abades e sargentos-mores – armados de colheres de pau e aventais – marcharam até ao Paço da Ribeira, cuja original elegância manuelina sucumbira ao pesado maneirismo imposto pelos Felipes. Em pleno salão nobre, a Sous-Chef de Portugal e o seu Provador-Mor foram surpreendidos no meio de uma sumptuosa degustação de cochinillo asado, as bocas brilhando de gordura estrangeira, qual arautos decadentes da gula castelhana.

Os conjurados ergueram as colheres como cetros de guerra, unidos em fervor patriótico, o Grão-Chef à frente – uma figura austera e resoluta que a todos inspirava com a sua inabalável confiança culinária.

– ¿Cómo osan, bárbaros, desafiar el glorioso cochinillo, consagrado por Su Majestad y con estrella Michelin? – questionou a Sous-Chef, com um sorriso de escárnio, os talheres dourados ainda em riste. – ¡Este manjar, de carne tierna y espíritu imperial, es el símbolo máximo de nuestro refinamiento!

O Grão-Chef adiantou-se, solene.

– Chegou o dia em que o fumo de Espanha deixará de toldar as nossas cozinhas! A partir de hoje, o cochinillo será relegado ao esquecimento, para que se prove, uma vez mais, que somos senhores dos nossos tachos e do nosso destino! O cozido, prato soberano que fortaleceu gerações, resistiu ao embate da vossa operação gastronómica especial. É o bastião da nossa identidade, o verdadeiro sustento da alma portuguesa, em contraste com esse intruso, de carne mole e flácida – uma afronta à robustez da pátria.

E, parafraseando Mestre Almada, concluiu com veemência:

– Um cochinillo a pretender lugar à mesa é um insulto! Morra o cochinillo, morra! Pim!

Os outros chefs conjurados, de olhos brilhantes e rostos cobertos por vapor da panela de pressão, gritaram em uníssono:

– Glória ao cozido! Vergonha para o cochinillo!

Apavorada, a Sous-Chef refugiou-se rapidamente num armário do palácio, temendo pela perda da sua estrela Michelin.

Lá dentro já se encontrava o Provador-Mor; sem espaço para se esconder ao lado dela, remexeu-se desajeitadamente, provocando uma restolhada dos papéis guardados no interior, mais se assemelhando a um profundo embaraço digestivo. Viu-se, então, constrangido a abrir a porta e sair – literalmente – do armário. No instante em que se revelou, num gesto de confissão implícita, foi prontamente defenestrado, selando o seu destino trágico sem a suavidade sequer de um paraquedas.

Enquanto os gritos de “cozido, cozido!” ecoavam pelo Paço, um rumor, espalhando-se mais rápido do que um bom caldo entornado, fervilhava já nas redes sociais do reino:

– Acorramos ao Grão-Chef, amigos! Acorramos ao Grão-Chef, que fritam sem porquê!

O boato – uma fake news de 1640 – percorreu vilas e campos, e logo as gentes, ouvindo isto, saíam à rua a ver que coisa era. Falando uns com os outros, alvoroçavam-se nas vontades e começavam de tomar armas – rolos de massa, facas e pinças de churrasco –, cada um como melhor e mais asinha podia.

Não tardou muito para que a suposta conspiração contra o Grão-Chef fosse esmiuçada em cada canto do reino, atraindo azeiteiros, almocreves, taberneiros, estalajadeiros e limpa-chaminés, todos unidos em defesa do emblemático cozido, na rebelião contra o cochinillo, em boa hora iniciada pelos 40 conjurados.

Com o partido do cochinillo a braços com labaredas na Catalunha, a ordem culinária foi restaurada, e o cozido, triunfante, reclamou o trono das mesas portuguesas.

 

Notas:

1 - A Duquesa de Mântua era, desde 1634, a representante gastronómica da coroa de Felipe IV de Espanha, III de Portugal – como soe dizer-se. Na manhã de 1 de dezembro de 1640, foi detida pelos conjurados – sem qualquer mandado, sublinhe-se – e enviada para o Convento de Santos, enquanto o Duque de Bragança era aclamado Grão-Chef. O texto refere-a como Sous-Chef que, num 2024 moderno e inclusivo, seria certamente Sous-Cheffe. Mas, à época, a feminização linguística das profissões ainda não constava da ementa política.

- Importa dizer que esta anacronia histórica é intencional: Andeiros e Vasconcelos nunca faltaram, seja na gastronomia ou noutras esferas. Como um ovo podre numa omelete bem batida, os traidores estragam o sabor das causas e das mesas, surgindo ao longo dos séculos: em 1383, em 1640 e, sem dúvida, em tempos que hão de vir. Não surpreende, então, que a fake news de 1640 tenha, afinal, começado já em 1383!

3 - Séculos depois da ocorrência relatada, Portugal voltou a cruzar-se com a Espanha, numa confluência inesperada de destinos. Coube a um nobre catalão, de nome Roberto Martinez, a tarefa de reerguer o nosso esplendor. Em 1640, a revolta gastronómica na Catalunha enfraqueceu as forças e atenções espanholas, abrindo caminho para o sucesso do movimento da restauração. Agora, formou-se uma aliança impensável entre o cozido à portuguesa e os sabores mediterrânicos. Fiel aos costumes usados, o país voltou a abrir-se à inovação, e com ela surgiu um estilo: a força do cozido à portuguesa, combinada com a leveza do pan amb tomàquet e a precisão dos cargots a la llauna. Essenciais, diz-se, tanto para a posse de bola como para a estratégia de jogo, numa verdadeira cuisine de fusão!

4 - Convém ainda mencionar que a ilustração no início do texto foi gerada por IA, que cometeu, no entanto, um pequeno deslize histórico – o Provador-Mor, em vez de ser arremessado para fora, aparece a entrar pela janela! Foi, portanto, defenestrado ao contrário! Um pormenor curioso que, assim como esta crónica gastronómica, privilegia o sabor sobre o rigor.

 

21
Set24

Um Jantar Muito Especial

Um Jantar Muito Especial.jpg

 

 

– Oh, não! Outra vez sopa de legumes! – rosnei, irritado. – Quem me dera ter aqui uma ovelhinha. Fazia já um belo ensopado de borrego!

Eis senão quando… Truz, truz! Quem batia à porta era uma linda ovelhinha.

– Posso entrar? – balbuciou ela, a tremer.

– Claro que sim, minha querida! A casa é tua! Vieste mesmo à hora do jantar – retorqui com um sorriso que não disfarçava as minhas presas afiadas.

A ovelhinha estava cheia de frio.

– Brrrr, brrrr! – resmungava ela.

– Que azar o meu! – admiti. – Logo me calhou uma ovelhinha congelada! Não gosto de comida assim, fria e sem graça!

E então tive uma ideia... Levei-a para perto da lareira e enrosquei-me à volta dela, permitindo que o calor do fogo a aquecesse, enquanto eu folheava a minha receita preferida de ensopado de borrego. Mnham, mnham! Já me crescia água na boca só de pensar no delicioso repasto.

Mas não era eu o único que estava com fome. A barriga da ovelhinha também já estava a dar horas…

– Que azar o meu! – pensei. – Não posso comer uma ovelhinha esfomeada! Até ia fazer-me mal ao estômago!

Ofereci à ovelhinha uma cenoura.

– Assim, já tenho borrego recheado!

A ovelhinha devorou a cenoura tão depressa que ficou com soluços.

– Hic, hic, hic! – fazia ela sem parar.

– Ai, ai! Que azar o meu! – lamentei-me com razão. – Quem é que come uma ovelhinha com soluços? Até pode ser contagioso!

O problema é que eu não percebia nada de soluços. Como é que se fazia para os calar de vez?

Tentei tudo: atirei a ovelhinha ao ar, virei-a de cabeça para baixo, abanei-a de um lado para o outro, mas nada resultou! Hic! Hic! Então, peguei nela ao colo e comecei a dar-lhe palmadinhas no lombo. Os soluços não tardaram a passar e ela adormeceu, enroscada no meu pescoço.

Fiquei perplexo porque nunca tinha sido abraçado pelo meu futuro jantar. E como seria expectável, a fome, afinal, já não era tanta…

A ovelhinha ressonava baixinho encostada às minhas orelhas.

– Rrrrooonchhh, rrrrooonchhh! – fazia ela.

– Que azar o meu... – suspirei. – Como é que vou devorar uma ovelha que ressona?

Sentei-me na velha cadeira de balouço, com a ovelhinha ao colo, e senti uma calma estranha. Já nem me lembro da última vez que alguém se aninhou assim nas minhas patas.

Mas mal comecei a cheirar a ovelhinha, fiquei deliciado com o seu cheiro doce e reconfortante!

– Ohhh! – suspirei. – Se eu a comesse depressa, ela nem sequer dava por isso.

E quando me preparava para trinchar a ovelhinha… a fulana acordou e deu-me um grande beijinho! Chuac!

– Nããooo! – gritei. – Isso não vale! Eu sou um carnívoro e tu és um ensopado!

– Um enlatado? – perguntou a ovelhinha a sorrir. E confessou: – Eu sei lá o que é isso!

– Que é que eu faço à minha vida?! – exclamei. – Bom, vais mesmo ter de te ir embora!

Com fiemeza, pus a ovelhinha na rua, mas primeiro dei-lhe um agasalho.

– Some-te daqui! – gritei. – Se tu ficares, como-te e depois já não podes arrepender-te.

E com um grande estrondo fechei a porta. Bang!

Lá fora, a noite era escura e fria. E a ovelhinha não parava de bater.

– Oh, Olivier! Olivier? – suplicou ela. – Deixa-me entrar!

Mas eu tapei as orelhas e pus-me a cantar “Lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá!” até a ovelhinha desistir. Finalmente, tudo estava em silêncio.

– Ainda bem que ela já se foi embora! – suspirei, aliviado. – Aqui não estava em segurança. Um tipo esfomeado como eu é sempre capaz do pior!

Mas pouco depois, comecei a pensar na ovelhinha, sozinha e desamparada na escuridão da floresta.

– Talvez ela morra de frio… Talvez se perca… Talvez caia nas garras de um predador qualquer… Oh, não! O que é que eu fui fazer? – questionei-me, arrependido.

Sem perda de tempo, levantei-me num pulo e abri a porta, sentindo o frio da noite invadir a casa. Mas não havia sinal da ovelhinha. Nem qualquer pegada na noite. A floresta parecia mais sombria do que nunca. Corri em desespero pela floresta, chamando: – Ovelhinha, ovelhinha! Volta, por favor! Prometo que não te como! Só quero que estejas segura!

A minha cabeça não parava. A ideia de nunca mais a ver começou a pesar de uma maneira estranha, como se algo estivesse a apertar-me o coração. Cansado e encharcado, depois do que pareceu uma eternidade, voltei para casa, cabisbaixo e com as patas pesadas. Estava completamente abatido.

Quando entrei, qual não foi o meu espanto! Não podia acreditar! Ali, ao pé da lareira, enroscada e segura, estava a ovelhinha.

– Voltaste! – exclamei, incrédulo. Senti um enorme alívio. – És mesmo tu? Não tens outro sítio para onde ir?

A ovelhinha abanou a cabeça com um sorriso doce e tímido.

– Que-que-queres ficar aqui co-comigo? – convidei eu a gaguejar.

A ovelhinha olhou-me, olhos nos olhos.

– E tu prometes que não me comes? – quis ela saber.

– Não! Claro que não! – assegurei. Dizia-me o instinto que eu devia fazer o contrário, mas como é que seria capaz de comer uma ovelhinha que precisava de mim? Até podia ficar com o coração partido…

A ovelhinha sorriu e atirou-se para as minhas patas.

– Estás com fome, enlatado? – perguntei, abanando a cauda timidamente. – Que tal uma sopinha de legumes?

 

Notas:

- Este conto é uma adaptação livre de “A Ovelhinha que Veio para Jantar”, de Steve Smallman, ilustrado por Joelle Dreidemy.

- No final desta versão revista e aumentada, decidi abrir um restaurante vegetariano com a ovelhinha, porque, afinal, a sopa de legumes não é assim tão má, desde que eu tenha companhia!

 

05
Jul24

Tudo se Há de Resolver

Quando os dinossauros governavam a Terra, havia uma certeza sobre o nome dos planetas do Sistema Solar. Mercúrio, Vénus, Terra… até Plutão. Eu tinha de conhecê-los da frente para trás e de trás para a frente. Plutão, Neptuno, Urano… até Mercúrio. Desde então, a existência de nove planetas tornou-se para mim um facto inabalável, digno do mesmo respeito e reverência que se confere aos dogmas mais sagrados, não abertos à discussão, inquestionáveis, absolutos.

 

Vai para 20 anos, Plutão foi expulso do clube dos planetas do Sistema, tal como se apagam dos ficheiros partidários os militantes que não pagam quotas. Tudo ocorreu ao arrepio de qualquer iniciativa multilateral, sem acordo de saída nem sequer diálogo e – veja-se a gravidade da coisa – sem audiência prévia dos interessados plutónicos. 

Ora a palavra “planeta” tem um poder psicológico que ajuda a entender tratar-se de um lugar importante no espaço. Por isso, considero o caso Plutão uma grave heresia face à crença no funcionamento do universo: sem dúvida, o rombo original na minha confiança na Ciência e nos astrónomos.

O segundo rombo é bastante mais recente. Em contraste com as palavras dos ambientalistas – “ouçam os peritos: não há planeta B” – os norte-americanos anunciaram a descoberta de um exoplaneta do tamanho da Terra, situado em zona habitável, logo, proporcionando novos “solos urbanizáveis” à escala cósmica. Nada se cria, nada se perde…

Que, então, se goze e explore la dolce vita enquanto é possível. Quando o cartão de crédito ambiental for bloqueado, tudo se há de resolver. Felizmente, há outras Terras no universo e eu mal posso esperar que abram as reservas de viagem.

 

Fontana di Trevi.png

 

Marcello Mastroianni e Anita Ekberg na Fontana di Trevi, fotograma de La Dolce Vita, 1960. Na circunstância, não lhes ocorreu tomar banho em casa.

Em Portugal, a Lei dos Solos de 2014, ainda não aplicada em diversos Municípios, eliminou a categoria de “solos urbanizáveis” com o objetivo de mitigar a especulação imobiliária, maximizar o aproveitamento das infraestruturas e promover o desenvolvimento sustentável das áreas agrícolas, florestais e naturais.

 

26
Jun24

Fábula Burrical

Fábula_burrical.jpg

Era uma vez um rei que decidiu empreender uma viagem para pescar. Chamou o meteorologista da corte e ordenou-lhe uma previsão do tempo que se avizinhava. 

 

Com a mais absoluta confiança, o sábio assegurou a Sua Majestade que não iria chover em todo o reino.

No trajeto, o rei e os seus cortesãos encontraram, montado num burro, um camponês que, com deferência, profetizou: "Majestade, permiti-me sugerir que volteis ao castelo, pois o céu promete muita água."

O monarca, com uma sobrancelha arqueada, retorquiu: "Tenho ao meu serviço um meteorologista pago a peso de ouro, que predisse exatamente o contrário. Prossigamos!". Mal haviam avançado, viram-se submersos numa tempestade torrencial. 

Ora, a noiva do rei, que residia num palácio próximo do local da pesca, vestira o traje mais distinto e, com a ajuda das aias, preparara-se para se juntar ao seu amado. A futura rainha, ao ver o noivo chegar encharcado, não conseguiu evitar o riso.

Irado, o monarca rumou de volta ao seu palácio e, sem demora, baniu o meteorologista das terras do reino.

Convocando o camponês, ofereceu-lhe uma posição na corte. Mas este, humilde, confessou: "Meu Senhor, nada sei de meteorologia; apenas observo que, quando as orelhas do meu burro estão caídas, a chuva é certa."

Os conselheiros murmuravam sobre “mudar estratégias” e “perceções empíricas”. O rei tomou então uma decisão: "Vamos inovar a abordagem das previsões meteorológicas, juntando este sábio animal à nossa corte."

O burro foi nomeado Conselheiro Sénior para a Meteorologia, com uma indumentária nobre especialmente confecionada para si. Um cortesão zeloso propôs um retiro de imersão para alinhar o novo conselheiro com a visão estratégica do reino.

E assim se estabeleceu a tradição de recrutar assessores com competências questionáveis para posições de influência. Eis a razão pela qual burros ocupam geralmente cargos bem remunerados em qualquer máquina estatal.

 

Fábulas envolvendo animais que revelam verdades sobre a natureza humana são tema recorrente na literatura de Esopo e La Fontaine. No entanto, não é possível atribuir a origem exata desta narrativa a um único autor ou uma única fonte, dado que surgiram variantes em diferentes culturas e épocas.

A encantadora ilustração de um assessor a saborear o merecido café na sua hora de descanso é um exemplo de como algumas obras de arte percorrem o mundo sem assinatura de autor.

 

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

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Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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