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Cidade sem Tino

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade sem Tino

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

.
Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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29
Mai24

Sob o Peso do Silêncio

Nino Gzirishvili.png

 

Na primeira noite, aproximam-se silenciosos e levam um cacho de uvas da herdade.
Não dizemos nada.

 

Na segunda noite, pisam descaradamente a vinha.
Matam o fiel cão.
Continuamos a nada dizer.

 

Até que chega o dia em que, sem cerimónia, invadem a adega,
derramam o vinho feito com tanto amor
e nos despojam de toda a esperança.
Sabendo do medo que nos consome, silenciam-nos a voz,
rouca e fraca.

 

Porque nada dissemos antes,
as palavras perderam-se,
os gritos falharam,
e já não conseguiremos mais fazer-nos ouvir.

 

A ilustração de Nino Gzirishvili, “Em Apoio à Ucrânia”, foi criada especificamente para um Festival de Vinhos, representando bem a intersecção entre arte e política em tempos de crise.

O texto é uma adaptação livre do poema “No Caminho, com Maiakóvski”, que, apesar de mencionar o famoso futurista russo no título, foi escrito por Eduardo Alves da Costa na década de 60. O poema destacou-se durante a resistência à ditadura militar no Brasil. Originalmente uma reflexão sobre a apatia e a perda gradual de direitos, é aqui recontextualizado para explorar novos temas e realidades.

 

 

21
Abr24

Sermão às Pedras da Calçada

Numa praça deserta, sob o sol do meio-dia, um pregador põe os olhos no chão e, com voz aveludada, desafia as verdades aceites.

 

Ó pedras da calçada, vós que revestis o chão da cidade não apenas como adorno, nem como mero suporte para os passos apressados dos transeuntes, sois as guardiãs das nossas histórias e dos desafios contemporâneos! Ao observarmos o mundo transformar-se num mar de falácias, questionamos: será falha vossa, que não empedrais firmemente, ou da terra, que não se deixa empedrar? Será porque os novos pregadores proclamam a verdade enquanto praticam a hipocrisia, ou porque os acomodados escolhem seguir os exemplos corruptos em vez das palavras íntegras?

Vós, pedras, que conheceis cada canto da cidade, formais a verdadeira ágora onde se manifestam as angústias e alegrias dos cidadãos. Sois humildes na essência: guiando os passos da gente comum, mostrais mais atenção à realidade do que ao falso brilho dos paus de selfie. Vós, como netas das imponentes catedrais que escreviam a História em pedras de grande formato, unis o antigo e o contemporâneo em cada rua, em cada praça. Vós triunfais sobre o eco vazio dos espaços por calcetar.

Ainda assim, ó pedras da calçada, urge que não permaneçais apenas como testemunhas mudas e vos ergais para combater as adversidades que assolam a nossa cidade! Levantai-vos, desde logo, contra os tanques que cruzam o empedrado, tentando expandir a sua influência ou impregnar a vossa natureza com uma visão hierárquica da cultura. Vede como o musgo do preconceito e da discriminação cresce silenciosamente entre vós, criando barreiras invisíveis que segregam os passos de pessoas de diferentes cores e origens; vós, que devíeis unir, tornastes-vos sem querer divisores do caminho, favorecendo uns em detrimento de outros. Não permitais, ó pedras, que, por astúcia negocial, raízes daninhas se entrelacem sorrateiramente, enfraquecendo a terra que vos sustenta e usurpando as casas às quais ofereceis acesso. Vós, que fostes assentes uma a uma com cinzel e martelo, pela mestria de quem tem de garantir que nenhuma saliência cause obstáculos, estai atentas à erosão das fundações que se oculta como imperfeição disfarçada sob o polimento da legalidade. Lutai contra o abuso de prerrogativas que vos despoja do vosso pó e da areia fina para proveito próprio. Vivei, ó pedras, em consonância com as pessoas, a fauna e a flora, e suportando o peso da vida que vos envolve, abraçai o desafio climático. E, não menos importante, nunca deixeis de combater os cul-de-sac e outros impasses infrutíferos da justiça eclipsada.

Despeço-me, então, ó pedras da calçada, com uma exortação final: continuai a sonhar e a inspirar sonhos, pois em vós reside o potencial de mudar destinos. Recordai o que diz o poeta e deixai que a música, simples mas poderosa, flua. Sonhai, pois, e sabei que o mundo se move e avança, como pedra “colorida entre as mãos de uma criança”.

La la la ra la ra ra.

 

O Sermão de Santo António, que inspirou este texto, foi pregado pelo Pe. António Vieira, na cidade de S. Luís do Maranhão, ano de 1654, três dias antes de o autor embarcar ocultamente para o reino, a procurar o remédio da salvação dos índios.

No Speakers' Corner do Hyde Park qualquer cidadão pode discursar. Há a crença de que o orador, ao permanecer sobre uma cadeira ou caixote, não pisa solo inglês, estando por isso isento das leis e tradições – uma noção pitoresca, mas sem fundamento.

Pedra Filosofal é um poema de António Gedeão, publicado em 1956, que fala da capacidade humana de sonhar e transformar o mundo. Em 1970, Manuel Freire fez do poema canção, que rapidamente se tornou um hino de resistência à ditadura.

 

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