Bateram-me à Porta
Ele, de meia-idade, com cabelo ainda preto e uma expressão pensativa, vestia um fato sóbrio, também preto, grande demais para o corpo, a gola do casaco pendurada.
O pescoço, ligeiramente curvado, refletia o peso da responsabilidade que parecia carregar, como se cada visita, cada cumprimento de porta em porta, fosse um ato de respeito e dever.
Ela, na casa dos 25 anos, apresentava-se com um vestido evasê intemporal, padrão pied de poule, abaixo do joelho, os sapatos de meio salto um pouco cambados. Eram, em comum, portadores de pastas de napa preta.
Disse o mais velho: “Vimos falar com o Senhor”.
Havia, em ambos, uma dignidade no porte e a postura de quem carrega o peso de uma causa.
Sorri e logo desbobinei o meu discurso n.º 2: “Dou-me e dar-me-ei sempre bem com todas as estrelas do firmamento e com os seus representantes na Terra”. Entendi usar de prudência: embora não ande atrás de nenhuma estrela em particular, nunca consegui esclarecer bem a que paraíso ou inferno poderei ir parar quando o sol escurecer e os figos verdes caírem, derrubados da figueira por qualquer terrível vendaval. É que, neste particular, as opiniões dividem-se…
Continuei sem rodeios: “Estou super-stressado, hoje tenho bué trabalho para fazer e pouco tempo para conversar, a menos que os Senhores queiram – o que é improvável – dar-me uma ajuda”.
Quando acabei, a mais jovem tomou a palavra, mantendo uma postura serena: “Nós somos os novos vizinhos do 5º andar!”