Memória de uma Queda
Nunca mais hei de esquecer aquele sábado de manhã, quando eu ainda era miúdo. O sol brilhava forte, lançando sombras contrastadas sobre as traseiras da casa de meus pais. Operários reparavam a fachada do edifício vizinho, numa época em que a segurança no trabalho deixava muito a desejar. O ritmo incessante dos martelos e a música intercalada com publicidade no Rádio Clube Português criavam um fundo sonoro vibrante.
Foi então que ocorreu o acidente. Um pintor, encavalitado no andaime, balançou perigosamente antes de cair de uma altura de três andares. O estrondo da queda interrompeu toda a atividade em redor. Com o coração acelerado, observei tudo da janela, incapaz de desviar os olhos da cena que se gravaria para sempre na minha memória.
Surpreendentemente, o pintor atingiu o solo primeiro. O seu cabelo, como se tivesse vontade própria, flutuou no ar por alguns instantes antes de cair. Uma perplexidade muda tomou conta do ambiente, até que risos nervosos começaram a espalhar-se.
Soube-se, mais tarde, que o operário usava Pantene, que atrasa a queda do cabelo.