Minimalismos
Na cidade, onde o ruído constante das notícias reduz complexidades a meras manchetes, emerge uma pequena história de intromissão.
A Baixinha medieval, com a sua aparência enganosamente simples, é na verdade um labirinto de esquinas que narram episódios diversos, refletindo o pulsar de um burgo cuja aparente naturalidade esconde um emaranhado de desorientações amplificadas pelo enviesamento mediático.
Entre murmúrios e meias-verdades, um jornal abandonado numa mesa de café capta a atenção, revelando uma ocorrência intrigante:
Últimas notícias: Numa operação coordenada, elementos da polícia detiveram ontem na Baixinha um indivíduo do sexo masculino, alegadamente por tráfico.
Esta ação coordenada das autoridades, de notável eficácia, traz ao de cima uma linguagem que merece análise mais profunda.
Acontece que, na gíria das forças policiais, os seus membros são designados por “elementos”, ao passo que os membros da sociedade civil, incluindo os alegados traficantes, são referidos como “indivíduos”. Tal distinção, que não exclui a possibilidade de qualquer grupo conter elementos envolvidos no tráfico, destaca o modo como as palavras podem moldar a perceção de uma narrativa sobre segurança pública.
Na cidade antiga, onde as ruas se entrelaçam em segredos, o mistério sobre a natureza do alegado tráfico permanece. Será tráfico de influências? De armas? Quiçá de animais selvagens? De órgãos? Ou ainda de droga? Ao fim e ao cabo, o indivíduo detido pela polícia é um suposto traficante. Contudo, nas vielas apenas perdura um eco genérico e aberto das ações alegadamente praticadas...
Vale a pena apontar um pormenor da notícia que poderia passar ignorado se não carregasse um tom discriminatório. Para quem lê sem intuitos voyeuristas, que importância tem o sexo masculino do indivíduo detido? Será que as suas características físicas e genéticas, como a presença de cromossomas XY, foram consideradas no momento da detenção? Ou que apenas o estilo e a aparência foram registados pelas autoridades ou inferidos pelo jornalista? E, afinal, que diferença faz ele ser homem, caucasiano, português, muçulmano, social-democrata ou adepto do glorioso?
Estas reflexões sobre linguagem e diferenciação levantam uma questão maior: não seria o minimalismo mediático, politicamente mais correto, uma forma de evitar tais diferenciações e julgamentos problemáticos? No entanto, a busca de um minimalismo mediático politicamente correto levanta a interrogação: poderá a simplificação chegar ao ponto de roçar o absurdo?
Perante estas indagações, imagine-se então reduzir a notícia ao seu mais puro esqueleto informativo:
Numa operação coordenada, elementos da polícia detiveram ontem na Baixinha um indivíduo, alegadamente por tráfico.
Sem sexo, sem género, sem quaisquer outros pormenores – o mínimo dos mínimos.
Neste cenário, o “minimalismo” torna-se uma “arte de subtração" em que menos informação pode não significar mais clareza, mas sim o vazio informativo. É no vazio que o ridículo se cruza com a reflexão. Ao serem retiradas camadas de contexto, resta da história apenas uma cápsula sem recheio.
A ironia reside na conclusão de que, por vezes, omitir em demasia pode resultar numa mensagem depauperada, em que a ausência de detalhe conduz à esterilidade.
Desenho de jovem casal numa esquina da cidade, beijando-se. Conceito minimalista.