Cidades Proibidas
Imagens da Cidade Proibida revelam a sua íntima relação morfológica com a grande Pequim. Situada no coração da atual metrópole, esta imponente fortaleza materializa o centro histórico e cultural, localizado estrategicamente no eixo norte-sul da capital chinesa. O desenho urbano, alinhado com princípios do feng shui, posiciona a Cidade Proibida como núcleo de autoridade, rodeada por uma muralha e um fosso que demarcam o seu isolamento e proeminência. Desde a construção em 1420 até a abertura ao público em 1949, além da família imperial, apenas altos funcionários e criados tiveram o privilégio de viver no seu interior. Esta exclusividade conferia ao local o caráter de símbolo do poder e do mistério do império chinês.
Há, como se sabe, muitas cidades proibidas no mundo inteiro. Istambul, que foi Bizâncio e, antes disso, Constantinopla, abriga o palácio de Topkapı, escrito assim mesmo, sem ponto no "i", uma característica da reforma do alfabeto posta em prática por Atatürk. Quem visitar esta residência, durante séculos, dos sultões otomanos deliciar-se-á com as histórias de poder e traição, com intrigas palacianas que percorriam os corredores opulentamente decorados. As salas do harém, em particular, revelam um mundo à parte, onde o esplendor arquitetónico se misturava com o drama humano, realçando o fascínio que envolve estes espaços historicamente tão exclusivos.
Geralmente as cidades proibidas são bonitas, bem tratadas, aparecem em revistas e têm uma aura de mistério. Podem não estar fechadas a sete chaves, mas há outro tipo de trancas. Encontram-se muitas zonas urbanas onde a “proibição” persiste e se intensifica, devido à conquista económica do espaço. Em São Paulo, áreas como a Paulista, a Augusta e a Óscar Freire servem como exemplo de espaços públicos economicamente inacessíveis para muitos. São áreas em que se concentram habitação e estabelecimentos de alto padrão, funcionando quase como clubes VIP urbanos, onde a entrada é permitida, mas o proveito é exclusivo de poucos.
Outro fenómeno a considerar é o das cidades "cinzentas", tal como o são vários bairros de Bratislava, com edifícios padronizados, produto da indústria de prefabricação pesada, alinhados conforme os caminhos de gruas. Conhecidos como paneláks, aparecem pouco em fotos, reflexo da tendência de representação visual nos mass media e no turismo. Sem prejuízo do crescente interesse na exploração e documentação do urbanismo e arquitetura da era socialista, importa questionar sobre os hábitos de quem vive em lugares aparentemente tão pouco personalizados.
Coisa muito diferente ocorre nos bairros de lata, nas favelas, nos musseques, nas cidades de caniço, designações - que divergem, conforme a geografia - da realidade não muito distante dos bairros menos atrativos, socioeconomicamente desfavorecidos. Em 1976, Ettore Scola dirigiu "Feios, Porcos e Maus", uma belíssima sátira social que, ao retratar a vida de uma família numerosa e disfuncional em condições precárias nos subúrbios de Roma, realça a universalidade da marginalização. Nos últimos anos, as Covas da Moura emergiram em telenovelas como cenários, refletindo uma nova perspetiva sobre estas comunidades. Os contextos de adversidade revelam-se também, de modo curioso, como interessantes backgrounds para a fotografia de moda e para a exploração de novas estéticas..
A foto é da National Geographic.
A pinta que , há quase 100 anos, o Pai dos Turcos enendeu não colocar no "i" de Topkapı foi agora acrescentada, a título de reparação alfabética, ao ponto final do texto.