Mármore, Nostalgia e Outras Fantasias
Logo no dia da sua tomada de posse, num gesto carregado de pompa e dramatismo, Donald Trump assinou a ordem executiva Promoting Beautiful Federal Civic Architecture. Nela, estipula-se que os edifícios públicos dos Estados Unidos devem ser belos – e que, para o serem, devem respeitar a herança regional, tradicional e clássica. Uma exigência vaga, envolta num patriotismo arquitetónico que levanta questões pertinentes.
O que é tradição num país jovem e de imigrantes?
A América é, desde a sua fundação, uma colagem de culturas, um mosaico em que a tradição não é singular. O que significa, então, respeitar a arquitetura regional e tradicional? Será a silhueta das casas vitorianas de São Francisco? Os arranha-céus reluzentes de vidro e aço que definem a modernidade americana? As igrejas coloniais de tijolo de barro da Nova Inglaterra? Ou, quem sabe, as estruturas milenares dos povos indígenas, que já dominavam o território muito antes da chegada dos europeus, mas que, aparentemente, são deixadas de fora da tradição?
A verdade é que a ordem executiva tem uma preferência clara: o neoclássico, herdeiro da arquitetura da Grécia Antiga e das ambições imperiais de Roma. Mas será que esta é a estética que define os valores culturais americanos? Ou apenas mais um exercício de nostalgia seletiva, em que a grandiosidade das colunatas mascara a falta de substância?
Um regresso à grandeza colonial?
Há aqui uma ironia que não passa despercebida: o neoclássico foi o estilo escolhido pelos founding fathers para dar um verniz de legitimidade ao recém-nascido governo americano – mas é, afinal, uma importação europeia, inspirada nas arquiteturas britânica e francesa do século XVIII. Hoje, numa administração que vocifera contra a globalização e o multiculturalismo, este fascínio por um estilo arquitetónico importado parece, no mínimo, contraditório. Mas talvez, para alguns, a única influência estrangeira aceitável seja aquela que chega esculpida em mármore e trajada de passado.
Não é a primeira vez que a estética passadista é instrumentalizada politicamente. Regimes autoritários sempre tiveram queda para uma arquitetura impositiva e monumentalista: Hitler e Mussolini adoravam colunas e fachadas de pedra; Estaline e Salazar preferiam ruas e praças opressivamente vastas, onde o indivíduo desaparecia perante o esplendor do Estado. Ter edifícios neoclássicos não torna um governo autoritário, mas decretar um estilo como símbolo nacional é uma estratégia típica de regimes que procuram controlar tanto a cultura quanto a política. No fundo, o gosto certo pode ser tão relevante como a ideologia certa.
A grandeza que não se decreta
No final das contas, a ordem executiva de Trump é mais teatro político do que necessidade real. A grande maioria dos edifícios federais já existe, e não há planos concretos para novas construções em massa. Mas a ordem executiva cumpre o seu papel: vender ao eleitorado a ilusão de que Make America Great Again pode ser traduzido, literalmente, em simetrias perfeitas e metros cúbicos de mármore.
Certo é que nem a grandeza se decreta, nem a verdadeira força da América esteve jamais na nostalgia da arquitetura. Esteve, sim, na sua capacidade de inovação, adaptação e pluralidade; não em recriar um passado idealizado que, convenhamos, nunca existiu. Se existisse, diga-se em abono da verdade, não lhe faltariam colunas caneladas, frontões esculpidos e uma cúpula imponente no topo de cada edifício público.