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Cidade sem Tino

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade sem Tino

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

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Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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25
Fev25

Mármore, Nostalgia e Outras Fantasias

Presidential Actions.JPG

Logo no dia da sua tomada de posse, num gesto carregado de pompa e dramatismo, Donald Trump assinou a ordem executiva Promoting Beautiful Federal Civic Architecture. Nela, estipula-se que os edifícios públicos dos Estados Unidos devem ser belos – e que, para o serem, devem respeitar a herança regional, tradicional e clássica. Uma exigência vaga, envolta num patriotismo arquitetónico que levanta questões pertinentes.

 

 

O que é tradição num país jovem e de imigrantes?

A América é, desde a sua fundação, uma colagem de culturas, um mosaico em que a tradição não é singular. O que significa, então, respeitar a arquitetura regional e tradicional? Será a silhueta das casas vitorianas de São Francisco? Os arranha-céus reluzentes de vidro e aço que definem a modernidade americana? As igrejas coloniais de tijolo de barro da Nova Inglaterra? Ou, quem sabe, as estruturas milenares dos povos indígenas, que já dominavam o território muito antes da chegada dos europeus, mas que, aparentemente, são deixadas de fora da tradição?

A verdade é que a ordem executiva tem uma preferência clara: o neoclássico, herdeiro da arquitetura da Grécia Antiga e das ambições imperiais de Roma. Mas será que esta é a estética que define os valores culturais americanos? Ou apenas mais um exercício de nostalgia seletiva, em que a grandiosidade das colunatas mascara a falta de substância?

 

Um regresso à grandeza colonial?

Há aqui uma ironia que não passa despercebida: o neoclássico foi o estilo escolhido pelos founding fathers para dar um verniz de legitimidade ao recém-nascido governo americano – mas é, afinal, uma importação europeia, inspirada nas arquiteturas britânica e francesa do século XVIII. Hoje, numa administração que vocifera contra a globalização e o multiculturalismo, este fascínio por um estilo arquitetónico importado parece, no mínimo, contraditório. Mas talvez, para alguns, a única influência estrangeira aceitável seja aquela que chega esculpida em mármore e trajada de passado.

Não é a primeira vez que a estética passadista é instrumentalizada politicamente. Regimes autoritários sempre tiveram queda para uma arquitetura impositiva e monumentalista: Hitler e Mussolini adoravam colunas e fachadas de pedra; Estaline e Salazar preferiam ruas e praças opressivamente vastas, onde o indivíduo desaparecia perante o esplendor do Estado. Ter edifícios neoclássicos não torna um governo autoritário, mas decretar um estilo como símbolo nacional é uma estratégia típica de regimes que procuram controlar tanto a cultura quanto a política. No fundo, o gosto certo pode ser tão relevante como a ideologia certa.

 

A grandeza que não se decreta

No final das contas, a ordem executiva de Trump é mais teatro político do que necessidade real. A grande maioria dos edifícios federais já existe, e não há planos concretos para novas construções em massa. Mas a ordem executiva cumpre o seu papel: vender ao eleitorado a ilusão de que Make America Great Again pode ser traduzido, literalmente, em simetrias perfeitas e metros cúbicos de mármore.

Certo é que nem a grandeza se decreta, nem a verdadeira força da América esteve jamais na nostalgia da arquitetura. Esteve, sim, na sua capacidade de inovação, adaptação e pluralidade; não em recriar um passado idealizado que, convenhamos, nunca existiu. Se existisse, diga-se em abono da verdade, não lhe faltariam colunas caneladas, frontões esculpidos e uma cúpula imponente no topo de cada edifício público.

 

18
Fev25

A Qualidade do Tremoço

tremoços.jpg

Trump e Putin, como bons negociantes, vão regatear a repartição de territórios e decidir o futuro da Europa, sem dar cavaco a ninguém. Mas, bem vistas as coisas, enquanto a tempestade se formava, a Europa discutia a qualidade do tremoço.

 

 

A História ensina – por vezes, os alunos distraem-se. Há um padrão inquietante que atravessa os séculos: quando se avizinham tempestades, certas elites refugiam-se no pormenor, no tecnicismo ou no ritualismo político, como se a ordem do mundo pudesse sustentar-se em formalismos. Nos corredores do poder, afinam-se argumentos, polindo o detalhe como se fosse marfim; ao mesmo tempo, a História esculpe o futuro a golpes de machado.

No século V, Roma debatia hierarquias e privilégios enquanto os visigodos invadiam e pilhavam a cidade; a Constantinopla do século XV discutia – diz-se – com zelo intelectual bizantino o sexo dos anjos, enquanto os canhões otomanos abalavam os alicerces do império; em Versailles de final de Oitocentos, entre danças e reformas tímidas, poucos tinham oportunidade de ver a maré revolucionária a subir nas ruas de Paris.

Não é que estas discussões fossem irrelevantes. Eram sofisticadas, mas também um luxo que o tempo não permitia. É o erro do xadrezista que, orgulhoso da tática brilhante que lhe assegura um peão promovido, ignora que em dois lances sofrerá mate. Ou o defeito da construção modular, em que as partes se unem num todo sem alma. Ou ainda o azar do homem comum que, receoso de adoecer, foge da chuva apressado, sem reparar que a morte acelera ao dobrar da esquina.

Durante demasiado tempo, olhou-se para a tempestade como um risco longínquo, algo a ser gerido com paciência, notas de imprensa e sanções – talvez bem-intencionadas. Entretanto, as nuvens acumularam-se, o céu escureceu, o vento avisou e os trovões ribombaram. Não ao longe, mas sobre as nossas cabeças. O tempo do detalhe calculista já não se sustenta.

A civilização vive da ordem e do método; só sobrevive quando sabe preparar-se para as ruturas da História. O tempo do tremoço passou; o seu valor nutricional é inegável, mas já não basta. Agora, impõe-se erguer os olhos do prato e encarar a tempestade.

 

04
Ago24

Noticiário da Praia da Caparica

Caparica.jpg

Com a recente inauguração da magnífica ponte que liga Lisboa a Almada, a margem sul do Tejo torna-se o refúgio predileto dos lisboetas em dias de canícula estival. Enquanto uns desfrutam das ondas vigorosas na praia e dos piqueniques nas frescas matas circundantes, outros debatem com responsabilidade as tensões que se manifestam no cenário internacional, refletindo a diligente análise que o Estado Novo faz dos acontecimentos mundiais, incluindo as mudanças climáticas. Apresenta-se uma imagem e uma notícia da época, esta última ficcionada, claro!

 

Perante os rumores crescentes acerca da próxima contenda bélica no Médio Oriente, que ficará conhecida como a Guerra dos Seis Dias, e as previsões alarmantes que anunciam a elevação inexorável do nível das águas oceânicas, foram efetuadas consultas inadiáveis aos ilustres dirigentes da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e da Mocidade Portuguesa, assim como aos distintos Procuradores da Câmara Corporativa. Como resultado destas ponderações, Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho de Ministros, visando a salvaguarda do interesse nacional, decretou a suspensão do estabelecimento de um novo colonato balnear nos vastos areais a sul do rio Tejo.

Enquanto este empreendimento de envergadura aguarda a sua oportunidade, os senhores banhistas são agraciados com substanciais benfeitorias, entre as quais cumpre sublinhar uma instalação sonora dotada de altifalantes por toda a extensão da orla costeira. Este melhoramento visa não só fomentar a recreação, mas também garantir a segurança e a comodidade dos veraneantes. Além da transmissão de música tradicional, fado e peças de índole religiosa, são também difundidos anúncios de utilidade pública, que incluem informações sobre crianças com boné azul e objetos perdidos ou encontrados. Igualmente se faz ouvir, com justificada constância, o familiar lema “Pois, pois… Jota Pimenta!”

 

Notas:

Fotografia da Costa da Caparica, que integra um conjunto de postais intitulado “Um trecho da praia”, publicado pela editora Passaporte.

A despeito da sua simplicidade, a estridente instalação sonora contribui para o enriquecimento do descanso balnear com música e informações de relevante mérito.

 

28
Jun24

Ares Majestáticos

Uma postura majestática transcende a mera configuração física e condensa uma aura de poder, grandiosidade e presença imutável que impõe respeito. Tal postura, frequentemente reservada para a nobreza ou para os mais altos escalões da sociedade, sublinha o seu peso de autoridade e a gravidade histórica através do silêncio e da quietude.

 

 

Considere-se uma figura sentada em silêncio, cuja postura não é apenas uma pose, mas uma declaração de resistência ao avanço implacável da história. Esta imagem, reminiscente de um monarca, evoca a expressão idiomática "esperar sentado", sugerindo uma serenidade e paciência nascidas do poder e da segurança de um legado. A postura majestática aqui é estática, opacamente soberana, inabalável face às flutuações dos tempos.

Descrever uma postura majestática exige captar as subtilezas que a fazem não só visível como também sentida. A figura, envolta em mantos de autoridade, senta-se com a coluna tão direita quanto a linhagem que representa. A cabeça ergue-se, não por arrogância, mas como uma necessidade imposta pela dignidade de quem suporta o peso de uma coroa, ainda que virtual. Olhos aguçados e perspicazes varrem o horizonte. Não apenas olhando, mas também antevendo, sempre vigilantes para evitar a complacência que a paz pode trazer.

As mãos de tal personagem são particularmente reveladoras. Uma repousa suavemente sobre um apoio de braço, dedos adornados com os anéis do poder, cada joia o testemunho de uma batalha vencida, um tratado assinado ou um casamento que selou a paz. A outra mão talvez segure um cetro ou um pedaço de pergaminho, símbolos de governança e sabedoria. Estas mãos não tremem; são firmes, e cada gesto é deliberado, cada movimento cuidadosamente orquestrado para alcançar um propósito específico.

Ao fundo, reverberam as ações das corporações do reino, que continuam e continuarão a moldar os contornos da sociedade. Ainda assim, a figura permanece como ponto focal, um pilar de força por entre os sussurros suaves dos cortesãos e o clamor distante do povo. O ambiente está impregnado do peso da história, cada artefacto ao redor sussurrando lendas de antecessores que estabeleceram as bases do seu poder.

Quando tal personagem, por encanto, se digna falar, a sua linguagem não é apenas uma ferramenta, mas uma arma. Emprega o plural majestático, falando de "nós" em vez de "eu", encapsulando uma tradição que se estende por gerações. Tal recurso não é gramatical, mas simbólico, paradigma de quem não fala apenas por si próprio, mas como a encarnação régia de um passado, que pretende estender ao presente e ao futuro.

 

02
Mai24

Amizades

Amizades.jpg

Nos idos anos 50 o recurso epistolar era usado como antecâmara das redes sociais. Algumas cartas da época aparecem a conta-gotas, aqui e acolá, revelando traços de carácter do seu autor.

 Dentro desse acervo epistolar, destaca-se a correspondência de uma figura particularmente enigmática: um político reservado nos propósitos e autoritário nas decisões, arquiteto de amizades cautelosas, controlador, protegido por zelosos guardiões do poder, sofisticado e paranoico nas suas precauções.

 

Minha Amiga,

Acabo, só agora, de receber, e de ler, as suas várias mensagens, anunciando-me, as primeiras, que está a chegar a estas paragens, e as últimas que já chegou e que me quer ver tão depressa quanto eu puder.

Dispusesse eu do tempo que, sendo de facto o que é, não me pertence, teria o prazer de logo aceder à vontade da minha Querida Amiga, mas, lamentavelmente, tal não me é permitido. 

Verei, no lugar onde sabe que estou, e, atentas as circunstâncias, estarei, a solução que for possível, quando possível, para criar uma conta no WhatsApp, assim assegurando, pela encriptação ponto a ponto, que as nossas comunicações permaneçam abrigadas da perceção dos que, intencional ou inadvertidamente, se deem conta da identidade de quem aqui lhe escreve. Tenha, então, a minha Amiga a bondade de usar o canal, e apenas o canal, que, concordará, importa respeitar, sob o risco de o gosto e o proveito se perderem em vivacidades quiçá gravadas e expostas em público, não obstante o zelo daqueles que se encontram mobilizados no entendimento de que todos os incómodos serão precavidos.

Decerto a minha Amiga reconhecerá o mérito de, até lá, para que nada se confunda e possa deturpar, impor uma meticulosa parcimónia no uso de smiles, esses símbolos modernos tantas vezes empregados com leveza excessiva; e de que, sendo esta a solução que, tendo de convir ao que mais importa, convirá, assim sendo, a esta amizade, que deve ser mantida e guardada em lugar seguro 😊.

Com muita consideração e estima

A.

 

O romance epistolar As Noivas de São Bento (Portela, Artur. Lisboa: Dom Quixote, 2005) narra a história de um país concreto, utilizando cartas fictícias como meio de oferecer uma perspetiva única sobre o período em que Salazar viveu e governou. 

O documento solto que agora se publica, a que o referido romande emprestou a inspiração e o género epistolar, evidencia a complexa dinâmica das amizades esquivas.

 

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