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Cidade sem Tino

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade sem Tino

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

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Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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09
Jun25

Cinco Horas para a Imortalidade

Camoes.png

À beira de mais um 10 de Junho — dia de Portugal, de Camões e das Comunidades — impõe-se a ilustração de Hugo van der Ding: um retrato que é certeiro e cruelmente belo do nosso Poeta em plena aflição produtiva. Algures entre a epopeia e o esgotamento.

 

 

Lá está ele: coroa de louros — provavelmente sintética — portátil sobre a mesa frágil, chávena esquecida, e o olhar de quem já não distingue entre o ritmo heroico e o batimento cardíaco acelerado pela cafeína. Faltam cinco horas. E o Canto IX.

É ali que deviam entrar as musas inspiradoras, as batalhas navais e — com alguma sorte — uma alegoria moral bem colocada. Mas o tempo escasseia. A folha continua em branco. E a dúvida, essa, alastra.

A despeito de atuar com a diligência exigível face às circunstâncias concretas — conseguirá o prestimoso Luís Vaz atingir os seus objetivos?

O prazo aperta. O ânimo falha. E o manuscrito está longe de pronto. Sobram anotações dispersas: “inserir deusa aqui”, “ver mitologia adequada para esta parte”, “acrescentar glória pátria com subtileza”.

Neste Camões, trabalhador precário, exausto, revemos algo muito nosso: o talento à espera do momento certo, a obra-prima quase feita, o engenho confiado ao derradeiro impulso — esse dom nacional do desenrascanço.

Impressiona saber que até o maior poeta da nossa língua teve dias em que nem as musas atenderam o chamamento. Porque entre a glória e o rascunho há apenas cinco horas — e um poeta a tentar o impossível.

 

25
Fev25

Mármore, Nostalgia e Outras Fantasias

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Logo no dia da sua tomada de posse, num gesto carregado de pompa e dramatismo, Donald Trump assinou a ordem executiva Promoting Beautiful Federal Civic Architecture. Nela, estipula-se que os edifícios públicos dos Estados Unidos devem ser belos – e que, para o serem, devem respeitar a herança regional, tradicional e clássica. Uma exigência vaga, envolta num patriotismo arquitetónico que levanta questões pertinentes.

 

 

O que é tradição num país jovem e de imigrantes?

A América é, desde a sua fundação, uma colagem de culturas, um mosaico em que a tradição não é singular. O que significa, então, respeitar a arquitetura regional e tradicional? Será a silhueta das casas vitorianas de São Francisco? Os arranha-céus reluzentes de vidro e aço que definem a modernidade americana? As igrejas coloniais de tijolo de barro da Nova Inglaterra? Ou, quem sabe, as estruturas milenares dos povos indígenas, que já dominavam o território muito antes da chegada dos europeus, mas que, aparentemente, são deixadas de fora da tradição?

A verdade é que a ordem executiva tem uma preferência clara: o neoclássico, herdeiro da arquitetura da Grécia Antiga e das ambições imperiais de Roma. Mas será que esta é a estética que define os valores culturais americanos? Ou apenas mais um exercício de nostalgia seletiva, em que a grandiosidade das colunatas mascara a falta de substância?

 

Um regresso à grandeza colonial?

Há aqui uma ironia que não passa despercebida: o neoclássico foi o estilo escolhido pelos founding fathers para dar um verniz de legitimidade ao recém-nascido governo americano – mas é, afinal, uma importação europeia, inspirada nas arquiteturas britânica e francesa do século XVIII. Hoje, numa administração que vocifera contra a globalização e o multiculturalismo, este fascínio por um estilo arquitetónico importado parece, no mínimo, contraditório. Mas talvez, para alguns, a única influência estrangeira aceitável seja aquela que chega esculpida em mármore e trajada de passado.

Não é a primeira vez que a estética passadista é instrumentalizada politicamente. Regimes autoritários sempre tiveram queda para uma arquitetura impositiva e monumentalista: Hitler e Mussolini adoravam colunas e fachadas de pedra; Estaline e Salazar preferiam ruas e praças opressivamente vastas, onde o indivíduo desaparecia perante o esplendor do Estado. Ter edifícios neoclássicos não torna um governo autoritário, mas decretar um estilo como símbolo nacional é uma estratégia típica de regimes que procuram controlar tanto a cultura quanto a política. No fundo, o gosto certo pode ser tão relevante como a ideologia certa.

 

A grandeza que não se decreta

No final das contas, a ordem executiva de Trump é mais teatro político do que necessidade real. A grande maioria dos edifícios federais já existe, e não há planos concretos para novas construções em massa. Mas a ordem executiva cumpre o seu papel: vender ao eleitorado a ilusão de que Make America Great Again pode ser traduzido, literalmente, em simetrias perfeitas e metros cúbicos de mármore.

Certo é que nem a grandeza se decreta, nem a verdadeira força da América esteve jamais na nostalgia da arquitetura. Esteve, sim, na sua capacidade de inovação, adaptação e pluralidade; não em recriar um passado idealizado que, convenhamos, nunca existiu. Se existisse, diga-se em abono da verdade, não lhe faltariam colunas caneladas, frontões esculpidos e uma cúpula imponente no topo de cada edifício público.

 

18
Ago24

O Avô Amu

 

Não se trata de uma mesa de chá encomendada no site do Ikea. Neste artefacto não há tacos, fasquias, bocéis, machos, meias-esquadrias… É um exercício de programação absoluta, primor técnico e destreza.

 

 

Num mundo acelerado, onde um simples clique nos traz à porta de casa uma mesa de chá com design, há quem ainda se dedique, na sua lentidão oriental, às tradições do artesanato. O vídeo do Avô Amu, cuja visualização do princípio ao fim recomendo, não é apenas um registo de competência em marcenaria; é uma lição de perseverança, precisão e amor por um ofício que atravessa os séculos. As mãos de Amu não montam peças pré-fabricadas com apoio de um manual de instruções, antes esculpem história e respiram a vida que se manifesta em cada fibra de madeira.

Observar a dança das ferramentas nas mãos de um mestre carrega uma doce melancolia de perda na transição do artesanato para a eficiência industrial. Os móveis do Ikea, apesar de belos na sua funcionalidade e design democrático, transportam consigo a frieza da produção em série, em que cada peça é replicada até ao infinito, sem singularidade ou carácter.

A arte do Avô Amu, por outro lado, é única em cada corte. Uma peça é memória do tempo em que tudo tinha uma história, um autor, um propósito concreto e singular. Na sua mesa de marceneiro, o tempo não é medido em horas, mas em lascas de madeira que caem, formando um tapete de representações de sonhos talhados à mão.

Ao adormecer, sonho como seria a minha vida se, por sorte, tivesse a mestria e a paciência para fazer coisas deste género! Sonho só! Mas estes sonhos são a preto e branco, em registo Super 8 – como um filme antigo e tremido que capta a essência do que é raro e desaparece lentamente no horizonte da modernidade.

 

21
Jul24

Beijar o Cão na Boca

Beijar o cão.jpg

 

 

Um recente estudo realizado pela Universidade de Lisboa, em parceria com o Royal Veterinary College do Reino Unido, traz um alerta alarmante para os cuidadores de animais: beijar um cão pode ser mais perigoso do que parece! A investigação revelou que a saliva canina pode abrigar superbactérias resistentes a antibióticos, capazes de causar doenças graves e até fatais em humanos.

Este dado levanta uma questão importante sobre como interagir com os animais de companhia e leva a ponderar diferentes práticas culturais relacionadas com tais interações. Conhece-se, por exemplo, a expressão do Norte de África “é preciso beijar o cão na boca”. Numa sociedade predominantemente muçulmana que interpreta o cão como o “outro”, isto é, o cristão, este ato poderá simbolizar uma tentativa de convivência pacífica e respeitosa, superando barreiras de preconceito. Por outro lado, num contexto em que o cão é considerado impuro, dir-se-á que beijá-lo pode ser mais bem entendido como expressão de desprezo.

Também o cinema explora complexidades culturais ao retratar interações entre humanos e seres de quatro patas, usando este tipo de encontros para abordar temas de igual modo profundos. No “ABC do Amor” (“Everything You Always Wanted to Know About Sex”, adaptado ao grande ecrã em 1972), a história da atração de um bom médico por uma ovelha tresmalhada ilustra bem esta ideia. Curiosamente de seguida, na cena talvez mais emblemática, Allen, no papel de espermatozoide, enfrenta o inevitável impulso do sistema reprodutor, que o lançará no salto para o abismo desconhecido.

A maior incerteza, a grande dúvida existencial reside no que ocorrerá depois desse momento originário.

 

21
Abr24

Sermão às Pedras da Calçada

Numa praça deserta, sob o sol do meio-dia, um pregador põe os olhos no chão e, com voz aveludada, desafia as verdades aceites.

 

Ó pedras da calçada, vós que revestis o chão da cidade não apenas como adorno, nem como mero suporte para os passos apressados dos transeuntes, sois as guardiãs das nossas histórias e dos desafios contemporâneos! Ao observarmos o mundo transformar-se num mar de falácias, questionamos: será falha vossa, que não empedrais firmemente, ou da terra, que não se deixa empedrar? Será porque os novos pregadores proclamam a verdade enquanto praticam a hipocrisia, ou porque os acomodados escolhem seguir os exemplos corruptos em vez das palavras íntegras?

Vós, pedras, que conheceis cada canto da cidade, formais a verdadeira ágora onde se manifestam as angústias e alegrias dos cidadãos. Sois humildes na essência: guiando os passos da gente comum, mostrais mais atenção à realidade do que ao falso brilho dos paus de selfie. Vós, como netas das imponentes catedrais que escreviam a História em pedras de grande formato, unis o antigo e o contemporâneo em cada rua, em cada praça. Vós triunfais sobre o eco vazio dos espaços por calcetar.

Ainda assim, ó pedras da calçada, urge que não permaneçais apenas como testemunhas mudas e vos ergais para combater as adversidades que assolam a nossa cidade! Levantai-vos, desde logo, contra os tanques que cruzam o empedrado, tentando expandir a sua influência ou impregnar a vossa natureza com uma visão hierárquica da cultura. Vede como o musgo do preconceito e da discriminação cresce silenciosamente entre vós, criando barreiras invisíveis que segregam os passos de pessoas de diferentes cores e origens; vós, que devíeis unir, tornastes-vos sem querer divisores do caminho, favorecendo uns em detrimento de outros. Não permitais, ó pedras, que, por astúcia negocial, raízes daninhas se entrelacem sorrateiramente, enfraquecendo a terra que vos sustenta e usurpando as casas às quais ofereceis acesso. Vós, que fostes assentes uma a uma com cinzel e martelo, pela mestria de quem tem de garantir que nenhuma saliência cause obstáculos, estai atentas à erosão das fundações que se oculta como imperfeição disfarçada sob o polimento da legalidade. Lutai contra o abuso de prerrogativas que vos despoja do vosso pó e da areia fina para proveito próprio. Vivei, ó pedras, em consonância com as pessoas, a fauna e a flora, e suportando o peso da vida que vos envolve, abraçai o desafio climático. E, não menos importante, nunca deixeis de combater os cul-de-sac e outros impasses infrutíferos da justiça eclipsada.

Despeço-me, então, ó pedras da calçada, com uma exortação final: continuai a sonhar e a inspirar sonhos, pois em vós reside o potencial de mudar destinos. Recordai o que diz o poeta e deixai que a música, simples mas poderosa, flua. Sonhai, pois, e sabei que o mundo se move e avança, como pedra “colorida entre as mãos de uma criança”.

La la la ra la ra ra.

 

O Sermão de Santo António, que inspirou este texto, foi pregado pelo Pe. António Vieira, na cidade de S. Luís do Maranhão, ano de 1654, três dias antes de o autor embarcar ocultamente para o reino, a procurar o remédio da salvação dos índios.

No Speakers' Corner do Hyde Park qualquer cidadão pode discursar. Há a crença de que o orador, ao permanecer sobre uma cadeira ou caixote, não pisa solo inglês, estando por isso isento das leis e tradições – uma noção pitoresca, mas sem fundamento.

Pedra Filosofal é um poema de António Gedeão, publicado em 1956, que fala da capacidade humana de sonhar e transformar o mundo. Em 1970, Manuel Freire fez do poema canção, que rapidamente se tornou um hino de resistência à ditadura.

 

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