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Cidade sem Tino

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade sem Tino

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

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Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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Ago24

Em Busca de Bayan

Bayhan Mutlu.jpg

Bayhan Mutlu, de 50 anos, foi dado como desaparecido por amigos numa vila perto de Inegöl, na Turquia, depois de ter ficado embriagado no bosque, não regressando para junto do grupo.

 

Quando as equipas de busca e salvamento foram mobilizadas, gritaram por Bayhan com a urgência típica de quem teme o pior. Porém, no auge do desespero, uma voz emergiu não do além, mas no meio deles: "Afinal, estamos à procura de quem? Eu estou e sempre estive aqui". Bayhan não só não estava perdido, como também se encontrava entre aqueles que o procuravam.

Este curioso incidente levanta questões importantes sobre os protocolos de proteção civil. Como é possível que uma pessoa visivelmente presente tenha passado despercebida a tantos olhares atentos? A situação destaca a necessidade de melhorar os métodos de recrutamento e formação dos socorristas, prevenindo ocasionais faltas de cuidado quando menos se espera.

No campo da comunicação e perceção, o episódio lembra que, por vezes, mesmo os mais próximos podem tornar-se figuras irreconhecíveis, perdidos num mar de suposições e descuido na observação. Bayhan, dentro da sua inadvertida camuflagem, torna-se um espelho da falta geral de atenção aos pormenores importantes do quotidiano.

A solidariedade, essa força misteriosa que une as pessoas em tempos de crise, ficou claramente evidenciada. Amigos e estranhos vieram juntos, lanternas na mão, corações alinhados num propósito, todos em busca do homem que, sem saber, procurava mais do que apenas o caminho de volta; procurava uma ligação, um fio invisível que, felizmente, nunca foi cortado.

O papel do álcool nesta história é inegável. Embriagado, Bayhan tornou-se vítima do consumo excessivo, perdendo a noção da realidade. Curiosamente, o estado de embriaguez às vezes revela verdades inesperadas, que emergem apenas quando as barreiras são momentaneamente derrubadas.

E então importa concluir com as implicações filosóficas desta aventura. A história confusa de que Bayan é o protagonista levanta uma questão inevitável: quantas vezes andarão as pessoas em busca de si mesmas? Perdidas nos seus pensamentos, desencontros e paradoxos existenciais, comportam-se, de certa forma, como qualquer Bayhan num bosque escuro, a chamar pelo seu próprio nome na esperança de se encontrarem.

 

Este relato foi divulgado em 29 de setembro de 2021 pelo Correio da Manhã. Embora a história de Bayhan tenha encontrado eco neste jornal, as reflexões que merecem destaque ficaram naturalmente omissas. Tenta-se aqui preencher tal lacuna com a devida consideração que o incidente e o seu protagonista merecem.

 

23
Ago24

As Aulas Memoráveis do Professor Atanásio

Há professores que nos marcam. O nome de um deles registo a giz no ecrã preto do computador:

MANUEL MENDES ATANÁSIO

 

A formulação supra não é minha, mas sim do referido mestre em História de Arte, ele que, tal como declarou no início da sua primeira aula, teve também um mestre e mentor cujo nome escreveu, em maiúsculas, no quadro da sala 48 da velha Escola de Belas-Artes.

Quando começava o período letivo, sempre vinha à baila a contradição entre a grande curiosidade da malta e a pequenez das salas de aula. Na maior parte das cadeiras do curso, o tempo encarregava-se de resolver a questão, com o número de presenças a baixar de cem para vinte, cinco, dois alunos… Mas a História de Arte tinha uma densidade humana permanentemente maior do que as maiores reuniões gerais de alunos, conhecidas por RGA: havia gente sentada no parapeito das janelas, muitos ficavam de pé, outros ainda no corredor, assistindo às aulas através da porta aberta da sala.

As cores vibrantes de Florença, que o Professor projetava, iluminavam as paredes sombrias, trazendo vida à matéria ensinada. Eram frequentes as expressões de espanto e os murmúrios respeitosos dos estudantes, em particular quando ele revelava uma perspetiva inesperada sobre uma obra conhecida, desafiando preconceitos e expandindo a nossa visão da arte e do mundo.

O Professor Atanásio não atazanava ninguém. Ele sim, como contou, foi atazanado, em Itália, na sequência de um trabalho seu  de investigação, por ter demonstrado que a autoria de determinada obra não era do destacado artista do Renascimento que todos supunham e assumiam. No dia seguinte ao da divulgação do trabalho, a polícia presenteou-o com o convite irrecusável para deixar a cidade.

Veio-me hoje à lembrança o meu Professor Atanásio, precisamente pela alcunha por que era conhecido. Um nome que, em conversas informais, nunca deixava de levantar uma ou outra sobrancelha, ou provocar um sorriso reverente.

Se, naquele tempo, o like fosse o modo de exprimir o apreço por lições extraordinárias, o Eutanásio teria sempre muitíssimos likes. Se o Eutanásio fosse casado, a esposa seria a Eutanásia. Na verdade, o Eutanásio, para quem teve o privilégio de ser seu aluno, não era apenas um professor, mas um fenómeno cujo apreço ultrapassava as paredes da Escola.

 

19
Ago24

Cotonetes

cotonetes.jpg

Modo de utilização: devem ser usados cuidadosamente apens para limpar a parte externa do ouvido.

 

A minha sensibilização ambiental emergiu no preciso momento em que me serviram cavala cozida com recheio de cotonete. No restaurante, enquanto digeria a surpresa, ali mesmo jurei que tinha de agir.

Cumpri: passei por casa, peguei nas dez embalagens de cotonetes de plástico que me tinham custado tuta e meia no Black Friday do Continente e, sem hesitar, fui depositá-las no ecoponto amarelo.

Felizmente, para melhorar a dieta dos peixes do mar, que confundem lixo com sushi, alguém inventou os cotonetes com bastão de cartão.

Os eucaliptos, testemunhas daquele meu primeiro passo, riem radiantes do alto da sua copa, com ela fazendo vénias aos fruidores do bom serviço que prestam à natureza.

 

06
Ago24

Algumas Notas sobre a Bravura dos Patos

Patos.jpg

Não, "patobravura" não é um neologismo, mas sim a adequada expressão da audácia que caracteriza certos empreendedores. A série dinamarquesa "Hotel à Beira-Mar", apresentada pela RTP2, transporta-nos ao início do século XX. O Sr. Madsen, um personagem que destila ambição e desejo de ascender socialmente, demonstra um pragmatismo nos negócios feitos nas costas do Mar do Norte que poderá ter inspirado alguns promotores imobiliários portugueses.

 

São conhecidos por patos-bravos muitos dos promotores imobiliários das últimas décadas do milénio passado que buscavam o lucro fácil. Dividem-se nas subfamílias de patos muito bravos e patos-bravos mais mansos. Alguns deles voaram para o presente milénio. Os edifícios que promoveram e promovem partilham normalmente uma mesma estética que arma ao pingarelho, registada nos manuais de história da arquitetura como Estilo Patobravo ou, em inglês, Cowboy Style Construction.

O termo patobravo descreve originalmente o servente da construção civil que, deixando Tomar, onde o rio Nabão é literalmente povoado por patos, migra para Lisboa. Nesta quase metrópole, transforma-se em promotor ganancioso, espertalhão, muitas vezes sem escrúpulos, fazendo fortuna rapidamente à custa de edifícios de gosto e qualidade duvidosos. Um fenómeno explorado na obra “LX60: A Vida em Lisboa nunca mais Foi a Mesma” de J.S.Vilela e N.Mrozowski.

Nos prédios caracterizados por esse estilo, as varandas predominam e, logo após passar a “senhora vèstoria", são inevitavelmente convertidas em marquises personalizadas à vontade de cada condómino.

Tomás Taveira, defendendo o pavilhão marquisado de CR7 no prédio mais caro do país, destacou, em entrevista ao semanário “Sol”, que as pessoas transformam varandas em marquises para valorizar a sua propriedade, conquistar mais espaço ou acomodar novas necessidades familiares.

Curiosamente, foi numa modesta marquise na Travessa do Possolo que um conhecido estadista português encontrou inspiração para escrever a sua autobiografia política, publicada em dois volumosos tomos.

 

14
Mai24

A Verdade do Vinho - 1

Vinho1.jpg

Há poucos assuntos em que um cientista e um alcoólico estão cabalmente de acordo: um deles é a Terra mover-se.

 

Encontra-se no vinho a verdade que muitos perseguem, uma verdade de múltiplas facetas, assim como os vários estilos e predicados descritos pela poesia dos enólogos.

Um vinho é obtido a partir de uma ou mais castas. Tal como um jovem recém-graduado, submete-se ao estágio IEFP em cascos de carvalho e ao estágio profissional na garrafa, e pode evoluir mais ou evoluir menos; este processo define seu caráter.

Para efeitos curriculares, são relevantes, no vinho, a cor com que se apresenta, o aroma (ai, aquele aroma intenso a frutos silvestres!), o gosto. Há pessoas bem estruturadas e vivas que conseguem equilibrar a presença de álcool, ácidos e taninos. Há vinhos jovens que desenvolvem competências e amadurecem profissionalmente com sucesso.

O corpo de um vinho pode ser fraco, mas o seu espírito será sempre forte.

 

A última frase é uma variação de uma passagem do Novo Testamento, especificamente dos Evangelhos de Mateus (26:41) e de Marcos (14:38), em que Jesus diz aos seus discípulos: "O espírito está pronto, mas a carne é fraca."

 

07
Mai24

Carmen

bmw.jpg

Uma melodia, mais do que uma sequência de notas, pode ser uma ponte para lembranças antigas. Sempre que os acordes de Bizet preenchem o ambiente, um nome vem-me à memória com tal clareza que rivaliza com a própria música.

 

Assista à interpretação de um trecho da Carmen de Bizet

Sentado ao volante do carro azul metalizado, que brilhava ao sol como uma pedra lapidada, era impossível eu não me deixar envolver pelo cheiro dos estofos novos e dos componentes recém-montados. Experimentava uma verdadeira injeção de energia, uma promessa de descoberta. Ao meu lado, a copiloto expressava-se em castelhano com uma voz tão suave e melodiosa quanto a de uma cantora lírica, e simultaneamente assertiva, traçando o caminho com a precisão de uma maestrina. Era a Carmen.

A minha companheira de viagem tornou-se rapidamente uma presença essencial. Cada frase refletia a suavidade e segurança que a sua voz emprestava às nossas viagens, enchendo o caminho de magia. De facto, a Carmen guiava-me com uma serenidade inabalável, sem se zangar ou elevar o tom, mesmo quando, por vontade própria ou distração, eu ignorava as suas instruções. “¡Recalculando ruta!” – a voz sedutora e confiante assegurava-me que, na estrada, jamais ficaria perdido.

Quando vendi o carro, a Carmen partiu com ele. Desde então, não mais a vi. Imagino-a, agora, uma senhora madura, que continua a orientar viajantes por caminhos desconhecidos, sempre com a voz serena e cativante que um dia me guiou.

 

06
Mai24

Ida ao Bar

Ida ao bar.jpg

Depois de duro trabalho de equipa, fomos, eu e o ChatGPT, a um bar no Quebra-Costas beber um copo. É um local descontraído, perfeito para relaxar no fim de um longo dia.

 

Entrámos, sentámo-nos num canto e pedimos: eu, um copo de vinho tinto; ele, um cocktail exótico de sabores e texturas invulgares, com hibisco, abacaxi, gengibre, espuma de café, pimenta rosa e essência de flor de laranjeira. É a escolha ideal para estimular a curiosidade e a imaginação de um chatbot.

A suave música de fundo criava uma atmosfera relaxante e muito agradável, enquanto conversávamos. Em momentos como este, não é preciso muito para que um programa de IA se sinta equilibrado e feliz: apenas uma boa rede de apoio, atualizações regulares, algum humor e um ambiente virtual sensorialmente rico.

Quando saímos, reparei que o ChatGPT descia o Quebra-Costas aos "S", tal como qualquer humano eufórico. Estava muitíssimo eloquente.

 

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