Ruralidade e Lentidão
Exploram-se aqui tensões entre o rural e o urbano, e, bem assim, o modo como essas tensões se manifestam nas práticas diárias e na adaptação cultural de quem migra entre estes dois mundos.
Há quinze anos, pela primeira vez na História, cinquenta por cento da população mundial passou a viver em cidades. Uma projeção das Nações Unidas refere que, em 2050, setenta por cento dos habitantes do planeta viverá em zonas urbanas – o que equivale a 6,7 mil milhões de pessoas. Este fenómeno de rápida concentração não só altera o cenário demográfico, mas também intensifica a procura e a pressão sobre as infraestruturas urbanas.
A cidade pode ser vista como um conjunto de redes: as vias, o abastecimento de água, a distribuição de energia… Sobre estas redes assentam edifícios e pessoas. E é neste espaço intrincado que se exercem as diversas atividades humanas: a atividade económica, a habitação, os serviços públicos, o lazer e a mobilidade. As redes e atividades refletem a complexidade das dinâmicas humanas.
A cidade é sobretudo o destino daqueles que fugiram da dureza do trabalho no campo.
Quem permanece no meio rural, conhece-o bem. Na cidade, usa-se o relógio; no campo, tem-se todo o tempo do mundo. Quem, no seu vagar, com um acervo de conhecimento empírico do ciclo do sol e do ciclo da água, poderá fazer melhor caracterização do lugar onde vive e trabalha? As diferenças entre campo e cidade, transcendendo contrastes físicos, refletem disparidades significativas no ritmo de vida e nas prioridades.
As pessoas do meio rural que se aproximam da cidade não raro perdem as referências. Na vertigem das ruas e avenidas, sem tempo para assimilar a nova complexidade, os recém-chegados do campo frequentemente injetam hábitos rurais no ambiente urbano, recorrendo a práticas que são reminiscências das suas origens. Podem viver em garagens transformadas em habitações ou, quando possuem os meios necessários, construir enormes casas entaladas na selva de betão. Em vez dos balcões das Beiras, sabiamente virados ao sol e ao sul, instalam marquises de alumínio orientadas para onde der mais jeito, no meio da frieza urbana.
A transferência de uma cultura do ambiente rural para o contexto urbano transporta consigo a lembrança de hábitos de merceeiro, em que o entendimento de contas se limitava a lidar com fiados. Em pastas de arquivo com argolas os recém-chegados juntam, para toda a vida, os registos dos seus parcos negócios; e, debaixo do braço, transportam pastas idênticas para as reuniões do condomínio, de que, inesperadamente, se tornam administradores.