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Cidade sem Tino

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade sem Tino

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

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Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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01
Mar25

O Dono da Gravata

 

 

Dizem que a autoridade se impõe pelo olhar, pelo tom de voz, pelo gesto – e pelo irracional. A gravata pode impor-se da mesma forma, estendendo-se além do razoável, numa saudação reverente aos alicerces da própria virilidade. O dono da gravata sabe disso. Basta usá-la. E o efeito é inegável.

Na Sala Oval, o adorno que um exibia contrastava com a dignidade frágil do outro: um homem cercado. Era a gravata que dominava a cena: vibrante, desproporcional. Não apenas um complemento, mas um ícone, uma promessa de grandeza, um aviso silencioso: aqui está um homem cujo carisma se mede até ao último centímetro.

O murro não chegou a ser ensaiado, mas que teria sido prodigioso, isso teria.

 

15
Out24

A Máscara

The_Phantom.jpg

No segundo semestre de 2020, vivia-se uma realidade inusitada, em que qualquer encontro era mediado por máscaras e viseiras, e os rostos cobertos alimentavam suposições. Quando caiu a proteção, a realidade revelada muitas vezes surpreendeu, distante do que se havia imaginado.

 

A proteção física acabou por moldar mais do que a simples segurança. Todas as interações eram envoltas numa atmosfera de precaução. Após o primeiro confinamento, sem vacinas à vista, reuniões e outros encontros essenciais faziam-se, inevitavelmente, com máscara. Havia também quem, em alternativa ou acumulação, usasse viseira, ganhando uma aparência futurista que, apesar do contexto, arrancava sorrisos ao primeiro olhar.

Encontravam-se repetidamente pessoas de rosto coberto, e a perceção era sempre falha. Quando, finalmente, a máscara foi removida, os rostos revelados quase sempre surpreendiam, longe das expectativas. Na ausência de pistas visuais, haviam-se desenhado realidades paralelas, tecidas por suposições.

Sem ver sorrisos ou ler rugas de expressão, a mente preenche lacunas com memórias ou estereótipos. Imaginam-se características que podem não corresponder à realidade: um olhar duro, escondendo um sorriso gentil; uma voz seca, encobrindo um coração caloroso. Quando o oculto se revela, a surpresa é inevitável. Um diretor de obra, sempre sisudo, mostrou-se afinal um homem de sorriso afável, desfazendo a imagem severa que involuntariamente tinha criado. Estes momentos trouxeram pequenos choques, lembrando a fragilidade das perceções.

A máscara complicou, claro, a comunicação. As expressões faciais essenciais ficaram ocultas, dificultando a leitura de emoções como alegria, surpresa ou ironia. Para compensar, muitos passaram a gesticular mais ou a variar o tom de voz. Mas será que a comunicação se tornou mais eficaz ou apenas mais desajeitada? O sorriso, uma ponte imediata entre desconhecidos, foi substituído pelo olhar, que tentava transmitir o que a boca escondia. Aprendeu-se a sorrir com os olhos, mas o impacto da falta de expressão completa foi sentido tanto em encontros espontâneos como em reuniões formais.

Curiosamente, algumas pessoas apreciaram o anonimato oferecido pela máscara. Sentiam-se menos expostas ao julgamento dos outros. Tal proteção trouxe, contudo, distanciamento, cortou o vínculo visual e limitou a perceção, criando um certo vazio nas interações. Quão difícil foi manter uma sensação de comunidade sem os rostos que a construíam?

Houve também momentos cómicos. Conta-se a história de uma reunião em que alguém, ao reconhecer uma colega atrás da máscara, a cumprimentou com confiança, perguntando pelo marido imaginário. Ela, com humor afiado, respondeu que o canário tinha resistido à Covid, arrancando revigorantes gargalhadas.

Quando a máscara começou a ficar no bolso, o reencontro com o rosto humano constituiu uma total redescoberta. Esse momento de estranheza, de reconciliação com um rosto completo, sempre trazia emoções diversas. Era como conhecer as pessoas de novo, como se, sem a máscara, se estabelecesse uma nova camada de intimidade.

Durante a pandemia, a máscara transcendeu, e muito, a sua função protetora, tornando-se símbolo de responsabilidade social e confiança na ciência. Para alguns, foi também bandeira de “causas maiores”, refletindo opções políticas que ultrapassam a esfera da saúde pública.

A utilização da máscara, no entanto, não é nova. Diversas culturas usaram-na sempre em cerimónias – máscaras africanas em rituais de passagem, venezianas no carnaval, japonesas no teatro Noh. Estes paralelos culturais destacam o valor da máscara, quer como disfarce, quer como símbolo de poder ou mistério.

Nos tempos modernos, o seu significado mudou, embora permanecendo, na essência, inegável: protege, mas também isola. A máscara física tornou-se o símbolo tangível das barreiras invisíveis que existem e sempre existiram. Tal como as máscaras usadas durante a pandemia escondiam algo, já antes se recorria a máscaras sociais para proteger ou camuflar certos aspetos da identidade. Quantas vezes se oculta aquilo que realmente se é, em prol de uma pretendida aceitação?

O tema ganha ainda mais protagonismo no mundo digital. Afinal, se a máscara física cobre o rosto, nas redes muitos aperfeiçoaram as suas máscaras digitais, esculpindo versões de si mesmos com filtros e ângulos estratégicos que fariam Miguel Ângelo corar de inveja. A dualidade é evidente: entre a selfie retocada e a imagem no espelho, a busca por equilíbrio entre falsidade e autenticidade tornou-se um verdadeiro malabarismo digno de circo. Nas redes sociais, a linha entre o que se é e o que se projeta é tão nítida como a qualidade de uma videochamada em hora de ponta.

E agora, o que esperar? Continuará a máscara a fazer parte do nosso quotidiano ou será relegada para o passado como símbolo de tempos difíceis? E, no fim das contas, o que pode aprender-se com tudo isto? Talvez a lição mais duradoura seja a de não julgar pelas aparências – com ou sem máscara. As barreiras que se erguem, tanto físicas como sociais, revelam mais sobre quem as coloca do que sobre quem as enfrenta. O que realmente importa, enfim, é o olhar que consegue atravessar barreiras, reconhecendo a complexidade do outro. Tal como na história da Bela e o Monstro, o essencial está sempre além do que os olhos veem.

 

30
Set24

A Verdade Imaculada do Omo

Omo lava mais branco.jpg

 

 

Antes do Omo, a brancura conseguia-se com sabão, por vezes lixívia, e força de braços. Mas não era a brancura Omo! O que a modernidade pintou nas paredes, como no reboco caiado da fotografia, não era um simples slogan: "Omo lava mais branco!" via-se e ouvia-se por toda a parte, como se a pureza da brancura tivesse finalmente sido aperfeiçoada.

Numa época em que o tempo avançava ao ritmo das conversas à porta de casa, a chegada de produtos como o Omo era um pequeno acontecimento. Mas, convenhamos, não se dependia assim tanto dele. As mulheres já tinham a força necessária para vencer qualquer nódoa, armadas com um caldeirão de água a ferver e o sempre fiel sabão azul e branco. A publicidade, no entanto, prometia facilidades. O que não dizia era que essa nova brancura também exigia o conjunto certo de circunstâncias: roupa lavada com critério, luz solar direta e, quiçá, a vigilância social, atenta tanto à brincadeira das crianças como aos estendais de rua.

E lá está o anúncio, pintado com simplicidade na parede de uma casa modesta, a recordar que a brancura do passado não tinha a sofisticação de um produto que, aparentemente, sabia o que era "mais branco". Era o branding avant la lettre, numa época em que a comunicação se fazia de forma simples e direta, sem as estratégias sofisticadas de hoje. Seja entre portas gastas, olhares curiosos ou ruas onde o progresso avançava devagar, mantendo uma ordem invisível, essa sim o verdadeiro controle sobre opiniões e comportamentos. E assim, o olhar atento sabia que a verdadeira pureza não se media pela brancura da roupa... nem o Omo podia mudar isso.

 

Foto de Gerardo Castelo Lopes, título e data desconhecidos.

 

30
Abr24

Minimalismos

Casal beijando-se.jpg

Na cidade, onde o ruído constante das notícias reduz complexidades a meras manchetes, emerge uma pequena história de intromissão.

A Baixinha medieval, com a sua aparência enganosamente simples, é na verdade um labirinto de esquinas que narram episódios diversos, refletindo o pulsar de um burgo cuja aparente naturalidade esconde um emaranhado de desorientações amplificadas pelo enviesamento mediático.

 

Entre murmúrios e meias-verdades, um jornal abandonado numa mesa de café capta a atenção, revelando uma ocorrência intrigante:

Últimas notícias: Numa operação coordenada, elementos da polícia detiveram ontem na Baixinha um indivíduo do sexo masculino, alegadamente por tráfico.

Esta ação coordenada das autoridades, de notável eficácia, traz ao de cima uma linguagem que merece análise mais profunda.

Acontece que, na gíria das forças policiais, os seus membros são designados por “elementos”, ao passo que os membros da sociedade civil, incluindo os alegados traficantes, são referidos como “indivíduos”. Tal distinção, que não exclui a possibilidade de qualquer grupo conter elementos envolvidos no tráfico, destaca o modo como as palavras podem moldar a perceção de uma narrativa sobre segurança pública.

Na cidade antiga, onde as ruas se entrelaçam em segredos, o mistério sobre a natureza do alegado tráfico permanece. Será tráfico de influências? De armas? Quiçá de animais selvagens? De órgãos? Ou ainda de droga? Ao fim e ao cabo, o indivíduo detido pela polícia é um suposto traficante. Contudo, nas vielas apenas perdura um eco genérico e aberto das ações alegadamente praticadas...

Vale a pena apontar um pormenor da notícia que poderia passar ignorado se não carregasse um tom discriminatório. Para quem lê sem intuitos voyeuristas, que importância tem o sexo masculino do indivíduo detido? Será que as suas características físicas e genéticas, como a presença de cromossomas XY, foram consideradas no momento da detenção? Ou que apenas o estilo e a aparência foram registados pelas autoridades ou inferidos pelo jornalista? E, afinal, que diferença faz ele ser homem, caucasiano, português, muçulmano, social-democrata ou adepto do glorioso?

Estas reflexões sobre linguagem e diferenciação levantam uma questão maior: não seria o minimalismo mediático, politicamente mais correto, uma forma de evitar tais diferenciações e julgamentos problemáticos? No entanto, a busca de um minimalismo mediático politicamente correto levanta a interrogação: poderá a simplificação chegar ao ponto de roçar o absurdo?

Perante estas indagações, imagine-se então reduzir a notícia ao seu mais puro esqueleto informativo:

Numa operação coordenada, elementos da polícia detiveram ontem na Baixinha um indivíduo, alegadamente por tráfico.

Sem sexo, sem género, sem quaisquer outros pormenores – o mínimo dos mínimos.

Neste cenário, o “minimalismo” torna-se uma “arte de subtração" em que menos informação pode não significar mais clareza, mas sim o vazio informativo. É no vazio que o ridículo se cruza com a reflexão. Ao serem retiradas camadas de contexto, resta da história apenas uma cápsula sem recheio.

A ironia reside na conclusão de que, por vezes, omitir em demasia pode resultar numa mensagem depauperada, em que a ausência de detalhe conduz à esterilidade.

 

Desenho de jovem casal numa esquina da cidade, beijando-se. Conceito minimalista.

 

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