Paracetamol
Ou a política como placebo
A manchete foi farmacológica. Mas o efeito é político.
Reapareceu uma teoria desacreditada: a de que o paracetamol, tomado durante a gravidez, causa autismo.
Trump diz que sim. Robert Kennedy Jr. confirma. E, com um toque de exotismo, Cuba é citada como exemplo.
A equação é simples: se não há paracetamol, também não há autismo. Lógica implacável, sim — mas construída no vazio.
Porque em Cuba, onde faltam comprimidos, não se registam diagnósticos. Ciência de bolso. Ou, se quisermos, ciência de palanque.
Mas a doença não está no feto. Nem no comprimido.
Está no discurso. E é contagiosa.
Há figuras que não se sentam à mesa: partem-na. Não pedem licença, ignoram códigos, recusam a réplica. Limitam-se a virar o tabuleiro e a declarar que o jogo termina ali. Porque nunca chegou a começar.
Chamam-lhe política. Mas o que se ouve é retórica de feira. Uma dança de silêncios estanques, de frases suspensas, de gritos que se aplaudem a si mesmos.
O efeito é sísmico: normas desfeitas, pactos em cinzas, instituições de pernas para o ar.
Um político assim não precisa de parlamento. Precisa de claque.
Redige a sua própria gramática: a pergunta não espera resposta, e a resposta já nasce veredito.
Esta forma de surdez estratégica — será congénita ou aprendida?
Talvez ambas. Nasce do instinto de contrariar, mas cresce ao calor dos aplausos fáceis e das multidões febris.
Não é desvio. Nem patologia. É método.
A estética do ruído e da rutura que, entre a farsa e a fúria, deixa a política como uma sala depois de um vendaval: crivada de estilhaços. Vazia de sentido.

Imagem: reprodução de The Wall Street Journal (edição de 27-09-2025).
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