O Dia em Que a Internet Parou
Foi no final de uma tarde abafada de setembro que os líderes mundiais surgiram em todas as televisões e rádios com uma notícia impensável: a internet seria desligada. De imediato. Sem aviso prévio, sem tempo para despedidas digitais ou backups de última hora.
Os rumores tinham começado semanas antes, sussurrados nos becos digitais onde a luz raramente penetra. Falava-se de um colapso global iminente, mas poucos davam ouvidos a tais conspirações. Afinal, a internet era o fio invisível com que se fabricava o tecido da civilização contemporânea – trabalho, relações, conhecimento, memórias. Como poderia alguém, ou qualquer governo, pensar sequer em desligá-la?
E, no entanto, aconteceu. O anúncio foi transmitido exatamente às 18h00 TMG em Nova Iorque, Pequim, Paris, Lisboa, Tashkent e em todas as capitais do mundo. A expressão do rosto dos líderes não deixava margem para dúvidas: algo monumental estava prestes a acontecer.
O Presidente da República Portuguesa já estava perante as câmaras e os microfones. A sua expressão era séria, mas o tom familiar. “Meus amigos, a internet trouxe-nos muito: conhecimento, ligações, oportunidades. Mas também desafios sérios que ameaçam a nossa privacidade e condição humana. Dependemos de algoritmos, esquecemos o essencial: estarmos presentes, com os que nos rodeiam.”
Após uma breve pausa, continuou: “Por razões graves e urgentes, que não posso pormenorizar, a internet será desligada. Sabemos que não será fácil, mas é necessário para nos proteger de uma ameaça maior. Juntos, vamos ultrapassar este desafio.”
E terminou com esperança: “Vamos redescobrir o que nos une. O que verdadeiramente importa nunca será desligado.”
Não houve grandes explicações técnicas, exceto a vaga referência a uma ameaça cibernética global e irreversível. Alguns sugeriram que a inteligência artificial tinha ultrapassado os seus criadores, e que a única maneira de proteger a humanidade era cortar a rede antes que fosse tarde demais. Outros acreditavam que o problema era intrinsecamente humano: uma guerra invisível de informação, em que o controle digital se tornara mais poderoso do que qualquer exército.
A decisão fora tomada à porta fechada, disseram, num bunker secreto algures nos Alpes Suíços, onde os governos se reuniram em conferência urgente. A data do corte? No próprio dia do anúncio. A hora? Às 18h05, precisamente.
No meio do caos que se seguiu, os computadores escureceram, um a um, como estrelas que desapareciam no firmamento tecnológico. Nos escritórios, os trabalhadores fixaram o olhar nos ecrãs, presos entre a incredulidade e o pânico. Em casa, as famílias sentiram a presença tangível da quietude, um vazio onde antes fluíam mensagens, notícias, risos virtuais, influencers a anunciar os seus últimos produtos. De repente, a internet – essa teia invisível que parecia eterna – deixou simplesmente de existir.
Então, no meio do silêncio instalado, o mundo respirou fundo. As pessoas levantaram os olhos e viram-se umas às outras como se fosse a primeira vez. Nas ruas, emergiram conversas há muito adiadas. E de onde antes havia olhares fixos em ecrãs, brotaram sorrisos tímidos.
Nota:
A ilustração foi retirada da internet. Como esta, infelizmente, já não existe, não há forma de verificar a fonte. Agradece-se a compreensão dos arqueólogos digitais do futuro.