Do Crescimento Nasal
e outros fenómenos físicos

Vivemos numa era em que a verdade não precisa de provas — só de partilhas. E quanto mais absurda for, mais longe viaja. Talvez por isso, certos rostos públicos pareçam cada vez mais... desproporcionais.
A tese científica
Nos últimos anos, assistimos a uma aceleração notável do desenvolvimento nasal em determinadas figuras de poder. Não é metáfora moral, é fenómeno mensurável.
O nariz cresce. Cresce muito. Cresce depressa. Ao início discreto, o alongamento manifesta-se logo após a primeira distorção factual.
Depois torna-se visível em discursos, entrevistas e, sobretudo, nos comentários em maiúsculas que brotam como fungos nas caixas digitais. Em alguns espécimes, o crescimento já compromete a visão periférica.
As causas
Sabe-se agora que não é preciso ser de madeira — basta insistir. Um único “ganhei as eleições” dito no momento errado provoca dilatação imediata.
A reincidência — “foi tudo roubado” — mantém o alongamento, mesmo quando tribunais, auditorias e máquinas de contar votos dizem o contrário.
Há casos documentados em que o nariz começou a crescer numa conferência de imprensa e só parou após a milésima partilha.
Noutra latitude, garantiu-se — com ar clínico de cosmonauta — que não havia tropas na Crimeia. Apenas “turistas entusiastas” com equipamento completo.
Em versão doméstica, registou-se torção bilateral quando alguém afirmou, sem pestanejar, que Portugal importa criminosos e ainda lhes paga subsídios. As estatísticas protestaram — tímidas, portuguesas — mas o nariz já atravessara a ombreira.
Resultado: atletas olímpicos do apêndice facial cruzam oceanos à frente do próprio corpo. Aerodinâmica impecável. Evidência zero.
O resto é biologia aplicada: estímulo, resposta, aplauso — e o nariz a ensaiar, mais uma vez, o infinito.
O papel do público
Estudos recentes confirmam que, nestes casos, o nariz não é apenas órgão sensorial: é instrumento performativo.
O crescimento é diretamente proporcional à audiência. Quando há palmas, avança. Com partilhas, alastra.
O nariz tornou-se uma superfície de sustentação que capta indignação e a retransmite sob a forma de certezas.
Daí que alguns sujeitos só consigam respirar dentro de um auditório — ainda que virtual.
Sem eco, o apêndice retrai. Sem atenção, dobra-se sobre si mesmo como galho seco.
Mas basta um “é isso mesmo!” vindo do fundo da sala — ou de um grupo de WhatsApp — e dispara de novo.
As consequências
São observáveis a olho nu.
Nas autoestradas do discurso, os narizes já provocam acidentes: colisões frontais com a realidade, engarrafamentos de bom senso, despistes morais.
A verdade, empurrada para a berma, aguarda com colete refletor. E nós, sempre apressados, deixamos que a esteira da turbulência nos penteie a franja: chamamos-lhe pensamento crítico.
A oficina de Gepeto fechou; agora chama-se algoritmo.
E o algoritmo não esculpe bonecos — fabrica narizes.
Quanto mais longos, melhor: dão mais cliques, mais sombra, mais vento.
Um toque de ironia filosófica
A ciência é clara: as mentiras não crescem na cara, crescem em alcance.
O nariz não precisa de cirurgia; precisa de plateia.
Tirem-lhe o aplauso fácil, o eco confortável, e encolhe.
Mas enquanto houver palcos disponíveis e dedos prontos para partilhar, continuará a expandir-se.
E nós, distraídos, faremos do impacto uma confirmação, convencidos de que é uma ideia.
Se doer, não é o nariz — é a ideia. Acertaste-lhe em cheio.
Foto: luckyraccoon / iStock.
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