Crónica do Paraíso
O sol, o mar, o silêncio e uma pergunta antiga: o que é, afinal, o Paraíso — e quanto tempo dura antes de desaparecer?
Em tempos, tive a sorte de passar uma semana numa das ilhas do Índico.
Chegado de hidroavião, fui recebido como num conto de Xerazade: música festiva, flores ao pescoço e promessas de encantamento. No fim do pontão, um senhor alto, de túnica de linho branco, disse, com um sorriso treinado, a quem chegava:
— Sou o Gerente. Bem-vindos ao Paraíso! Podem tirar os sapatos.
Obedeci. E fiquei a pensar: será isto o Paraíso?
Porque havia ali uma beleza que não precisava de me convencer de nada. O calor era certo, a água de um azul impossível — entre turquesa e cristal. E o silêncio era quase completo, descontando o som do hidroavião que, uma vez por dia, chegava e logo se perdia ao longe. Foi nesse estado de suspensão — como se o mundo material estivesse em pausa — que me lembrei de Platão. Segundo ele, o Paraíso está num outro plano, onde vivem as Formas perfeitas — o Belo, o Bem, o Verdadeiro. Esta ilha, portanto, seria apenas o reflexo pálido da Ideia do Belo. Se assim fosse, então o mar translúcido e o gin tónico seriam indícios de algo ainda mais perfeito — o que, francamente, me parece excessivo.
Os estoicos discordariam. Para eles, o Paraíso não está num lugar, mas numa atitude. Viver de acordo com a razão e com a natureza seria suficiente. Mesmo no exílio. Mesmo numa repartição pública. Mesmo em agosto, na ponte 25 de Abril.
Já os gregos antigos sonhavam com os Campos Elísios — não os de Paris, claro, mas os outros, os da mitologia. Descanso eterno para os heróis e justos. Campos verdes, sem dor nem impostos. Mas para chegar lá, era preciso morrer.
Nas religiões, o Paraíso costuma ser uma recompensa — um destino adiado e para poucos. No cristianismo, é estar junto de Deus: paz eterna, sem dor, sem lágrimas, com ruas de ouro e um controlo apertado de admissões.
No budismo, é o fim do sofrimento — o fim do desejo, o fim de querer chegar a algum lugar. O que, de certo modo, implica abdicar da própria ideia de paraíso. Entre um céu dourado e um silêncio absoluto, parece que o Paraíso não é tanto um lugar, mas uma promessa. Uma forma de suportar o presente, sonhando com o que vem a seguir.
E depois há o Paraíso político. A utopia construída com greves, reformas, relatórios e boas intenções. Há quem acredite que a igualdade total é o fim — mesmo que, por vezes, o denominador comum acabe por ser o nada. Mas sejamos justos: o nada tem sido, ao longo da história, o ponto de partida da maioria, sob quase todos os regimes.
Há também quem defenda com fervor a liberdade total — desde que se saiba competir, investir com astúcia, desinformar se for preciso, ou nascer no sítio certo. O mérito é rei, e o mercado o juiz. É um paraíso onde o calor humano se paga à parte.
Pelo meio, existem modelos em que o Paraíso parece possível: bons serviços, impostos altos e sossego coletivo. Ainda assim, mesmo aí, o céu fiscal é um equilíbrio frágil. E tudo vem com condições em letra pequenina.
O mais curioso é que tanto a religião como a política tratam o Paraíso como uma promessa. Um lugar a alcançar, a merecer, a construir. Talvez nunca aqui. Talvez nunca já. Talvez nunca, ponto final.
Mesmo esse recanto onde estive, tão perfeito, tem prazo. O mar engole costas, os corais adoecem, e o gerente — esse guardião do Paraíso — sabe que o seu ofício é temporário. A beleza, afinal, não será mais do que o prenúncio da perda.
E eu ali, (quase) no pôr do sol, de pés descalços, a beber água de coco e a pensar se o Gerente não teria razão. O Paraíso é, talvez, isso mesmo: uma pausa breve. Um lugar onde, por instantes, nada é preciso. Onde ninguém exige esforço, fé ou comprovativo de rendimentos.
E se for mesmo só isso… então talvez baste.