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Cidade sem Tino

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade sem Tino

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

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Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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02
Jun25

Crónica do Paraíso

Maldivas.jpg

O sol, o mar, o silêncio e uma pergunta antiga: o que é, afinal, o Paraíso — e quanto tempo dura antes de desaparecer?

 

 

Em tempos, tive a sorte de passar uma semana numa das ilhas do Índico.

Chegado de hidroavião, fui recebido como num conto de Xerazade: música festiva, flores ao pescoço e promessas de encantamento. No fim do pontão, um senhor alto, de túnica de linho branco, disse, com um sorriso treinado, a quem chegava:

— Sou o Gerente. Bem-vindos ao Paraíso! Podem tirar os sapatos.

Obedeci. E fiquei a pensar: será isto o Paraíso?

Porque havia ali uma beleza que não precisava de me convencer de nada. O calor era certo, a água de um azul impossível — entre turquesa e cristal. E o silêncio era quase completo, descontando o som do hidroavião que, uma vez por dia, chegava e logo se perdia ao longe. Foi nesse estado de suspensão — como se o mundo material estivesse em pausa — que me lembrei de Platão. Segundo ele, o Paraíso está num outro plano, onde vivem as Formas perfeitas — o Belo, o Bem, o Verdadeiro. Esta ilha, portanto, seria apenas o reflexo pálido da Ideia do Belo. Se assim fosse, então o mar translúcido e o gin tónico seriam indícios de algo ainda mais perfeito — o que, francamente, me parece excessivo.

Os estoicos discordariam. Para eles, o Paraíso não está num lugar, mas numa atitude. Viver de acordo com a razão e com a natureza seria suficiente. Mesmo no exílio. Mesmo numa repartição pública. Mesmo em agosto, na ponte 25 de Abril.

Já os gregos antigos sonhavam com os Campos Elísios — não os de Paris, claro, mas os outros, os da mitologia. Descanso eterno para os heróis e justos. Campos verdes, sem dor nem impostos. Mas para chegar lá, era preciso morrer.

Nas religiões, o Paraíso costuma ser uma recompensa — um destino adiado e para poucos. No cristianismo, é estar junto de Deus: paz eterna, sem dor, sem lágrimas, com ruas de ouro e um controlo apertado de admissões.

No budismo, é o fim do sofrimento — o fim do desejo, o fim de querer chegar a algum lugar. O que, de certo modo, implica abdicar da própria ideia de paraíso. Entre um céu dourado e um silêncio absoluto, parece que o Paraíso não é tanto um lugar, mas uma promessa. Uma forma de suportar o presente, sonhando com o que vem a seguir.

E depois há o Paraíso político. A utopia construída com greves, reformas, relatórios e boas intenções. Há quem acredite que a igualdade total é o fim — mesmo que, por vezes, o denominador comum acabe por ser o nada. Mas sejamos justos: o nada tem sido, ao longo da história, o ponto de partida da maioria, sob quase todos os regimes.

Há também quem defenda com fervor a liberdade total — desde que se saiba competir, investir com astúcia, desinformar se for preciso, ou nascer no sítio certo. O mérito é rei, e o mercado o juiz. É um paraíso onde o calor humano se paga à parte.

Pelo meio, existem modelos em que o Paraíso parece possível: bons serviços, impostos altos e sossego coletivo. Ainda assim, mesmo aí, o céu fiscal é um equilíbrio frágil. E tudo vem com condições em letra pequenina.

O mais curioso é que tanto a religião como a política tratam o Paraíso como uma promessa. Um lugar a alcançar, a merecer, a construir. Talvez nunca aqui. Talvez nunca já. Talvez nunca, ponto final.

Mesmo esse recanto onde estive, tão perfeito, tem prazo. O mar engole costas, os corais adoecem, e o gerente — esse guardião do Paraíso — sabe que o seu ofício é temporário. A beleza, afinal, não será mais do que o prenúncio da perda.

E eu ali, (quase) no pôr do sol, de pés descalços, a beber água de coco e a pensar se o Gerente não teria razão. O Paraíso é, talvez, isso mesmo: uma pausa breve. Um lugar onde, por instantes, nada é preciso. Onde ninguém exige esforço, fé ou comprovativo de rendimentos. 

E se for mesmo só isso… então talvez baste.

 

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No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
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