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Cidade sem Tino

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade sem Tino

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

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Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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31
Out25

Cidade com Tino, Cidade sem Tino

Cidades.jpg

 

 

 

Hoje é o Dia Mundial das Cidades.

Celebram-se todas: as que ainda têm algum tino, as que fingem que têm, e aquelas que o perderam na rotunda antes da saída certa. Celebram-se as cidades reais — e as imaginadas. As que resistem ao colapso e as que já desistiram de o disfarçar. Muitas com sensores, planos estratégicos e um vocabulário tão bonito quanto vago.

No virar do século XIX para o XX, a cidade era milagre: tijolo e esperança. Um teto com salário, contra o trabalho de sol a sol. Uma troca: menos galinhas, mais fábricas. A urbe prometia abrigo, trabalho e, com alguma sorte, um par de sapatos.

Mas o século XXI mudou o enredo. A cidade industrial desmaterializou-se. Em vez de aço, produz reuniões. Em vez de bens, plataformas. Em vez de progresso, “soluções” — muitas vezes para problemas que ninguém sabia sequer que existiam.

E cresceu. Em 2008, mais de metade da humanidade já vivia em cidades. Em 2050, serão dois terços — cerca de 6,3 mil milhões de pessoas a partilhar o mesmo congestionamento, o mesmo ar condicionado e, talvez, a mesma esperança.

A cidade é uma teia: de transporte, de água, de eletricidade, de dados. Sobre estas redes, erguem-se edifícios — uns com alma, outros com mais vidro do que dignidade. E dentro deles? Pessoas. Ligadas por tecnologia, mas cada vez mais sós. Entre redes técnicas e redes sociais, sobra cada vez menos espaço para a rede invisível da convivência.

Multiplicam-se as cidades ditas inteligentes. Há sensores no lixo, no trânsito, na paciência dos habitantes. Mas se a tecnologia não servir para reduzir desigualdades, limitamo-nos a instalar soluções digitais onde faltam soluções humanas.

E quanto à arquitetura? Nalguns lugares, sonha-se com um regresso ao clássico — ou pior: a um neoclassicismo de catálogo. Fala-se em virtude e proporção, mas o resultado é mais próximo do kitsch com diploma. Há quem imponha que edifícios públicos pareçam templos gregos — como se uma fachada de Ictinos ou de Vitrúvio redimisse uma cidade desigual.

Mas o tempo mudou de língua. Nem em Atenas se fala grego clássico. Nem em Roma se ouve latim.

As cidades são palcos — da economia, do lazer, da mobilidade… e também da exclusão. E se a cidade é um palco, urge escutar quem vive nos bastidores: quem caminha devagar, quem fala baixo, quem não aparece nos mapas.

Uma cidade com tino coloca as pessoas no centro — não só os dados. Não confunde cimento com civilização, nem tecnologia com justiça.

As cidades estão a tornar-se digitais. Que sejam também humanas, verdes — e radicalmente decentes.

 

Foto de Jeswin Thomas em Unsplash

 

27
Out25

Última Dança em Washington

A capital dos Estados Unidos candidata-se à filiação honorária no Clube das Cidades sem Tino.

 

CasaBranca.png

 

 

 

Não se sabe bem quando começou a dança, e entretanto há notícia de que o presidente decidiu deitar abaixo a Ala Leste da Casa Branca para ali construir um salão de baile. Aparentemente, o poder precisava de mais espaço para rodopiar. Nada contra a música, nem sequer contra o baile — mas há um compasso qualquer que soa a desvario quando o ritmo da festa se impõe ao da razão.

Diz-se que é um projeto great, tremendous, absolutamente necessário. Que o novo salão acolherá jantares de Estado, eventos patrióticos e, quem sabe, indultos em massa entre danças e discursos. O que não se diz é se houve licenciamento, pareceres técnicos ou, pelo menos, um instante de pudor. Por cá, a reconstrução de uma varanda num prédio dos anos cinquenta exige quatro reuniões de condomínio, três vistorias da câmara municipal e uma catrefada de carimbos; lá, parece bastar o estalar de dedos de quem ocupa a Sala Oval.

Supõe-se que o briefing com a equipa criativa foi breve: menos Lincoln, mais Las Vegas — e ponham um trono giratório com vista para a FOX News. A Ala Leste, onde funcionavam os escritórios presidenciais e se mantinha o Salão das Primeiras-Damas, foi arrasada para abrir espaço a lustres dourados, espelhos venezianos e — diz-se — uma mirror ball pendurada como o novo sol, girando lenta sobre os escombros da moderação. A Ala Leste caiu — que ninguém se espante se amanhã surgir no jardim sul um campo de golfe.

Os defensores do património histórico americano gritaram “heresia!” — e com razão. A Casa Branca não é uma casa qualquer. É o rosto visível de uma ideia — a da democracia americana — que há muito perdeu o brilho e começa agora a ranger nos alicerces. Derrubar uma ala histórica para instalar um salão de baile não é apenas um gesto de mau gosto; é uma metáfora involuntária de poder absoluto, uma valsa dançada sobre o soalho gasto da moderação.

Os juristas do urbanismo perguntam se houve avaliação de impacto, se a comissão federal de planeamento levantou um dedo que fosse, se alguém verificou a compatibilidade da demolição com as leis do património. Trump respondeu, diz-se, que não precisa de aprovação para modernizar “a sua” residência. É curioso: os autocratas têm essa tendência — confundem o Estado com o palacete, o bem público com a pista de dança.

Os políticos dividem-se, como sempre: uns aplaudem a coragem da transformação, outros lamentam a perda da memória. O povo observa, entre incrédulo e cansado, como quem vê um reality show com orçamento ilimitado. Afinal, tudo parece hoje espetáculo — até a destruição.

E, no entanto, há algo de tristemente coerente neste gesto: o mundo afundado em crises e desigualdades, e o velho magnata a pôr de pé o salão para dançar — talvez não por capricho, mas como maneira engenhosa de encobrir o esqueleto corroído do poder. Talvez, no fundo, o baile seja o rito que resta a uma democracia exausta — a valsa final antes do silêncio.

 

Fotografia; Jacquelyn Martin / AP. Trabalhos de demolição na Ala Leste da Casa Branca, antes da construção do novo salão de baile.

 

16
Out25

Acidente de Trabalho

Dizem que Gaudí morreu como viveu: de olhos postos na Sagrada Família e a cabeça nas nuvens.

 

SagradaFamília.png

 

 

 

Barcelona, junho de 1926. O trânsito era escasso, os elétricos deslizavam devagar, e Antoni Gaudí, como de costume, parecia pertencer a outro tempo — barba de profeta cansado, roupa desalinhada de monge da arquitetura e o olhar perdido no alto.

Nessa manhã, saiu cedo do seu pequeno quarto-oficina, onde dormia entre plantas, maquetas e pó de pedra. Ia rever mais um pormenor da sua obsessão: talvez uma gárgula com escoliose… ou uma curva inspirada num caracol visto no mercado. Caminhava devagar, de olhos erguidos, com a alma hipotecada ao andar celestial da sua obra.

E, claro, atravessou a rua.

O elétrico vinha tranquilo, mas Gaudí já estava longe — com os pensamentos adiantados até 2072. Ou lá para quando a catedral estiver, um dia, concluída.

O arquiteto, claro, não viu o veículo. O veículo também não viu nele um visionário. Apenas um velho mal vestido a meter-se à frente.

Pumba.

Simples. Trágico. E, como quase todas as ironias urbanas, ridiculamente simbólico. O homem que redesenhou o céu de Barcelona, ceifado por um banal detalhe urbano: o transporte público.

Ninguém o reconheceu. Com a barba por fazer, os bolsos vazios e o olhar perdido, parecia-se mais com um indigente do que com o arquiteto que reinventara a silhueta da cidade. Levaram-no para o hospital dos pobres, onde ficou dias sem nome — como se a própria Barcelona tivesse demorado a perceber que engolira o seu criador.

Há nisto uma certa poesia cruel. A obra tornou-se tão monumental que eclipsou o homem. Como um visionário engolido pelo próprio sonho em pedra.

Alguns vizinhos diziam que ele falava com as pedras. Talvez falasse. Talvez até elas lhe tenham respondido naquele instante final — como uma curva torta refletida no chão. Ou uma sombra que não batia certo.

Hoje, os turistas passam por ali em fila indiana, telemóvel em riste. Todos de olhos postos nas torres. Ninguém olha para o chão onde ele caiu. A cena repete-se todos os dias — a devoção distraída dos que olham sem ver.

A Sagrada Família, essa, continua em obras. Vivamente inacabada. Como se tivesse vergonha de acabar sem Gaudí. Talvez ele tenha mesmo deixado instruções secretas para manter o estaleiro aberto até ao Juízo Final.

Não por vaidade — mas porque há sonhos que não cabem no calendário.

 

Foto: German Documentation Center for Art History – Marburg Picture Index. Barcelona, anos 20. A Sagrada Família como sempre: em obras. Gaudí já não voltaria a atravessar a rua.

 

10
Out25

Drunke Peace Prize

Quando o ego de um homem não cabe numa redoma dourada, há só uma solução: criar o seu próprio mundo. E, se esse mundo tiver um prémio da paz com o nome dele, melhor ainda. Uma crónica sobre feridas, farsas e fake prizes.

 

 

 

Ronald Drunke está a olhar para um mapa à procura da Suécia e a perguntar se é possível erguer um muro à volta do Prémio Nobel. Não dá.

Seguindo à risca o Manual de Ditador Ofendido, rabisca retaliações. Primeiro: taxar a Suécia — “segurança nacional”, claro. Nasce a Taxa Anti-Almôndega. IKEA? Terrorismo escandinavo. ABBA? Infiltração comunista. Nobel? “Fake prize. Muito injusto, pessoal! Very sad.

Mas talvez não chegue. Na sala ovoide, Drunke ensaia um plano diplomático alternativo: invadir Oslo com a Delta Force disfarçada de diplomatas suecos e capturar Corina de la Paz numa caixa da IKEA, sob o brilhante nome de Operação Nobel Take-Back. MacPomposo, de águia ao ombro e colete com lantejoulas patrióticas, lidera a missão ao som de Top Gun. Bugs Bunny supervisiona, com aprovação presidencial.

Na cabeça de Drunke, já está decidido: “Se o Comité Nobel não me quer, o Comité Nobel é o inimigo.” Se Oslo não cair, há sempre um plano B: fundar o Drunke Peace Prize — atribuído anualmente a ele próprio. Os próximos dez já têm dono.

 

09
Out25

Do Crescimento Nasal

e outros fenómenos físicos

 

iStock-479774396.jpg

 Vivemos numa era em que a verdade não precisa de provas — só de partilhas. E quanto mais absurda for, mais longe viaja. Talvez por isso, certos rostos públicos pareçam cada vez mais... desproporcionais.

 

 

 

A tese científica

Nos últimos anos, assistimos a uma aceleração notável do desenvolvimento nasal em determinadas figuras de poder. Não é metáfora moral, é fenómeno mensurável.

O nariz cresce. Cresce muito. Cresce depressa. Ao início discreto, o alongamento manifesta-se logo após a primeira distorção factual.

Depois torna-se visível em discursos, entrevistas e, sobretudo, nos comentários em maiúsculas que brotam como fungos nas caixas digitais. Em alguns espécimes, o crescimento já compromete a visão periférica.

 

As causas

Sabe-se agora que não é preciso ser de madeira — basta insistir. Um único “ganhei as eleições” dito no momento errado provoca dilatação imediata.

A reincidência — “foi tudo roubado” — mantém o alongamento, mesmo quando tribunais, auditorias e máquinas de contar votos dizem o contrário.

Há casos documentados em que o nariz começou a crescer numa conferência de imprensa e só parou após a milésima partilha.

Noutra latitude, garantiu-se — com ar clínico de cosmonauta — que não havia tropas na Crimeia. Apenas “turistas entusiastas” com equipamento completo.

Em versão doméstica, registou-se torção bilateral quando alguém afirmou, sem pestanejar, que Portugal importa criminosos e ainda lhes paga subsídios. As estatísticas protestaram — tímidas, portuguesas — mas o nariz já atravessara a ombreira.

Resultado: atletas olímpicos do apêndice facial cruzam oceanos à frente do próprio corpo. Aerodinâmica impecável. Evidência zero.

O resto é biologia aplicada: estímulo, resposta, aplauso — e o nariz a ensaiar, mais uma vez, o infinito.

 

O papel do público

Estudos recentes confirmam que, nestes casos, o nariz não é apenas órgão sensorial: é instrumento performativo.

O crescimento é diretamente proporcional à audiência. Quando há palmas, avança. Com partilhas, alastra.

O nariz tornou-se uma superfície de sustentação que capta indignação e a retransmite sob a forma de certezas.

Daí que alguns sujeitos só consigam respirar dentro de um auditório — ainda que virtual.

Sem eco, o apêndice retrai. Sem atenção, dobra-se sobre si mesmo como galho seco.

Mas basta um “é isso mesmo!” vindo do fundo da sala — ou de um grupo de WhatsApp — e dispara de novo.

 

As consequências

São observáveis a olho nu.

Nas autoestradas do discurso, os narizes já provocam acidentes: colisões frontais com a realidade, engarrafamentos de bom senso, despistes morais.

A verdade, empurrada para a berma, aguarda com colete refletor. E nós, sempre apressados, deixamos que a esteira da turbulência nos penteie a franja: chamamos-lhe pensamento crítico.

A oficina de Gepeto fechou; agora chama-se algoritmo.

E o algoritmo não esculpe bonecos — fabrica narizes.

Quanto mais longos, melhor: dão mais cliques, mais sombra, mais vento.

 

Um toque de ironia filosófica

A ciência é clara: as mentiras não crescem na cara, crescem em alcance.

O nariz não precisa de cirurgia; precisa de plateia.

Tirem-lhe o aplauso fácil, o eco confortável, e encolhe.

Mas enquanto houver palcos disponíveis e dedos prontos para partilhar, continuará a expandir-se.

E nós, distraídos, faremos do impacto uma confirmação, convencidos de que é uma ideia.

Se doer, não é o nariz — é a ideia. Acertaste-lhe em cheio.

 

Foto: luckyraccoon / iStock.

 

06
Out25

O Espírito do Lugar

Notas sobre regeneração urbana em tempos digitais

BCD.jpg

 

Coimbra entrou oficialmente na era digital. O Presidente, de boné bem assente — adorno superior da modernidade simbólica —, inaugurou o mobiliário urbano interativo. Um momento de entusiasmo público e selfies municipais: mupis, cacifos, bancos solares e mesas interativas. Tudo brilha. Tudo promete futuro. Mais tarde, o reflexo fixa-se no vidro — e a dúvida fica no ar: ao ligar à tomada, a Baixa não terá desligado algo?

 

 

1
O parque edificado, com fachadas descascadas e degraus que rangem como ossos velhos, continua a ser habitado por estudantes apressados, imigrantes em sótãos sobrelotados e memórias cuidadosamente instaladas nos vãos de escada.

As lojas, adormecidas no conforto do tempo, recebem agora o toque revigorante do “bairro digital” — um verdadeiro elixir de juventude urbana. Online.

2
Percorre-se as ruas e encontra-se um comércio exausto, de montras empoeiradas, letreiros que tremeluzem e vitrinas onde já só se vê o reflexo do espaço vazio.
Empregados que um dia sorriram com gosto servem agora um tempo suspenso.

Mas tudo muda com alguns retoques de Photoshop e um upload habilidoso: no bairro comercial digital, estes estabelecimentos ressuscitam como marcas de “experiência” — modernas, reluzentes e com um “since 1918” cuidadosamente preservado no logótipo — tornadas verdadeiras organizações de sucesso.

3
Imagine-se só: os utilizadores do centro urbano de Coimbra nunca mais escorregarão nas rampas íngremes de Santa Cruz.
Nunca mais sofrerão o calor abrasador do verão, na Ferreira Borges, nem a chuva inclemente do inverno, nas ruelas da Baixinha.
Nunca mais terão de tatear o caminho quando faltar luz na “Rua Visconde da mesma”, como dizia a imprensa de antanho.

Imagine-se, também, cidadãos libertos da audição compulsória dos fados de sempre, à porta de Almedina — em alto volume, de manhã à noite.
É que o fado, por mais autêntico que seja, não foi feito para ser sorvido à colher de sopa.
E os cantores de rua, desafinados e pagos com trocos de 20 cêntimos, dificilmente figuram entre os bens imateriais da humanidade:

No hell below us
Above us, only sky
You may say I'm a dreamer…
but I'm not the only oooooone.

Felizmente, a playlist do mupi tem controlo de volume.

4
O novo centro urbano é uma espécie de evangelho apócrifo — revelação alternativa, não necessariamente em oposição aos canónicos.

Ou melhor: o centro pensado para ser vivido pela maioria dos seus utilizadores assemelha-se a uma realidade composta — cuidadosamente desenhada para o olhar contemporâneo.

As lojas orientais e de bugigangas de cortiça continuam presentes, discretas no tecido físico da cidade.
No centro urbano digital, porém, surgem reinventadas como espaços gourmet, envoltas em atmosferas de experiência.
Favorecidas no retrato, revelam uma nova estética de pertença. Dá gosto vê-las.

5
Adota-se oficialmente a dentadura digital — enfim, a dentadura do novo proletariado.

Os rostos, agora remotos, exibem sorrisos calibrados: uniformes, branqueados, transmitidos a partir de call centers que ninguém sabe onde ficam.

Com USBs que piscam, LEDs imóveis e QR codes reluzentes, a nova Baixa Digital desfila um catálogo de sorrisos — higiénicos, sem necessidade de contacto humano.

A distribuição está assegurada: pela Uber Eats, pela Glovo ou pelo cacifo inteligente que “agiliza” o que resta da antiga loja de bairro — agora reduzida à sua herança digital.

6
As crianças jogam em mesas interativas.
Os adultos carregam o telemóvel nos bancos solares.
O centro está mais conectado, mais funcional.

Mas será que ainda é um bairro? Ou já é mais do que isso — um showroom virtual com casario antigo como cenário?

A cidade, essa, não muda.
O que muda é o seu reflexo — cuidadosamente redesenhado.

E há quem veja no espelho digital mais autenticidade do que na vida que ele omite.

Há ideias com poder transformador que geram momentos de luminosidade extrema.
Convém, por isso, nunca esquecer os óculos de sol.

7
Coimbra ganhou um novo bairro digital.
Que importa que, ao mesmo tempo, tenha perdido um bairro de verdade?

Poderá perguntar-se como se mede agora o grau de pertença. Ou como se contabilizam os vizinhos que partiram, os silêncios que foram ocupar os lugares da conversa.

Pura retórica.

Os sensores calculam o tráfego e a temperatura.
A saudade, em breve, há de tornar-se quantificável — e quando isso acontecer, Coimbra estará na vanguarda.

As escadas continuam frias de inverno e quentes de verão.
Mas já ninguém se senta nos degraus a ver a tarde cair.

As janelas continuam abertas. Para o sinal Wi-Fi.

E o pão quente da padaria? Substituído por um código QR na vitrina vazia.

O espírito do lugar não se instala por USB.
Não vibra no bolso.
Não tem brilho de ecrã.
Mas deixa marcas — nas pedras, nos gestos, na memória do que se perde quando tudo parece novo demais.

 

Créditos fotográficos: C.M. Coimbra. N. Ávila, 2025

 

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