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Cidade sem Tino

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade sem Tino

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

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Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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24
Out24

A América dos Super-heróis

Imagine-se uma América onde heróis de banda desenhada e de palco político se fundem. Neste universo alternativo, o Super-Homem sobrevoa a cidade, ao mesmo tempo que Donald Trump, inspirado pelo seu próprio reflexo heroico, procura restaurar a glória da nação com slogans apelativos e promessas douradas. Em fundo, a banda sonora de Breakfast in America questiona o que há de real neste devaneio cintilante.

 

 

Nos céus de Metrópolis, o garante do sonho americano – sonho em que coexistem justiça, liberdade e hambúrgueres ao pequeno-almoço – mantém a vigilância, enquanto, do outro lado do Atlântico, os Supertramp assestam os binóculos com lentes de ironia. Rick Davies e Roger Hodgson oferecem a visão mordaz de quem olha para a terra das oportunidades com um aceno de distanciamento, desconfiados de que tais oportunidades são, no fundo, para quem souber capitalizar bem as ilusões.

Neste universo paralelo, Trump não se contenta em ser apenas presidente. Ele quer mais: quer ser um herói, o Superpresidente. Com o seu estilo larger-than-life, habitualmente exibido nos ecrãs e manchetes, transforma-se numa versão super-heroica de si mesmo. Promete restaurar uma América gloriosa, onde cada cidadão terá direito a um banquete de grandeza – servido, claro, no topo da sua torre dourada, o monumento máximo à ostentação e ao seu próprio legado.

As "meninas da Califórnia" deixam de ser uma referência pop, para se tornarem a face visível de uma utopia feita de consumo e entretenimento, onde tudo brilha, mas nada é o que parece. A cada eleitor é oferecida a promessa de riqueza e poder – como se a América fosse um jogo de aparências, moldado por um reality show sem fim, onde a cultura pop e a política se misturam numa coreografia de promessas vazias.

De um lado, nas páginas da banda desenhada, o Super-Homem, com o seu queixo quadrado, continua a lutar pela verdade e justiça. Do outro, os Supertramp cantam com um sorriso no canto da boca, questionando o que realmente existe por trás deste sonho que tantos perseguem.

Trump, o Superpresidente, move-se numa zona cinzenta – o espaço nebuloso entre a promessa heroica e a dura realidade. Talvez não seja capaz de erguer arranha-céus com uma só mão, mas certamente consegue levantar multidões com uma simples mensagem na rede social X, antigo Twitter, como sói dizer-se. Ele é o herói ideal para uma América onde a fantasia já há muito contaminou a realidade. Uma América que tanto os Supertramp como o Super-Homem conhecem, mas de modo de todo diferente.

Afinal, o Breakfast in America de Trump não se assemelha em nada ao pequeno-almoço da banda britânica. É, antes, um banquete de ilusões, servido com generosas doses de inverdade e promessas que dificilmente serão cumpridas. Ser “super” nunca foi fácil, mas quando o espetáculo se torna mais importante do que a substância, até os maiores heróis acabam por perder-se no brilho excessivo das suas próprias ilusões.

 

21
Out24

Geografias

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Convém, desde logo, saber de Geografia! Quem não conhece os diferentes cantos do mundo não vive no planeta Terra; andará, quiçá, ofuscado por outros astros. Compreender os territórios e as forças que moldam o planeta importa para auscultar as várias dimensões do presente e antecipar o futuro.

 

 

Não é só uma questão de mapas, mas também de saber como as culturas interagem. Há os que preferem a monocultura – seja nos campos ou nas ideias. É curioso notar como as monoculturas agrícolas, ligadas a um único cultivo, trazem consequências desastrosas: o esgotamento do solo, a vulnerabilidade a pragas... A monocultura ideológica é parecida. Uma visão única, imposta ou autoimposta, acaba por sufocar a diversidade, o que raramente acaba bem. Seja nas políticas ou na cultura, a resistência à diversidade muitas vezes termina em repressão ou violência. Em contraste, o multiculturalismo oferece um caminho para harmonizar diferenças e fortalecer sociedades.

Com o fim do colonialismo clássico e o surgimento de novas dinâmicas globais, o estreitamento do nosso mundo e o aumento das migrações, as democracias aprenderam que o multiculturalismo, quando bem gerido, é a chave para a coexistência pacífica. Promove a inclusão, garante que diferentes línguas, religiões e tradições convivam sob um mesmo guarda-chuva, ao invés de competirem por reconhecimento, influência e direitos. E o mais importante: mantém viva a essência da liberdade e da igualdade.

A escala muda quando se fala de cooperação internacional. Se o multiculturalismo se refere à convivência de culturas dentro de um país, o multilateralismo trata de Estados que tentam relacionar-se num palco global. É aqui que os conflitos se tornam mais visíveis. Enquanto vários atores cooperam, outros decidem andar sozinhos: entra em jogo o unilateralismo, o famoso “faço o que quero, e não me importo com o resto”, bem ao estilo de quem dita regras sem ouvir ninguém.

Sabe-se como essas escolhas isoladas acabam por enfraquecer os esforços de resolver problemas globais. Comércio internacional? Alterações climáticas? Isso só se resolve com todos os envolvidos à mesa. Razão por que instituições como a ONU ainda são fundamentais, mesmo que seja fácil criticá-las.

Ao pensar em Putin ou Netanyahu, o tema fica claro. Enquanto o primeiro destrói infraestruturas na Ucrânia para minar a sua resistência, Netanyahu fez algo semelhante em operações na Palestina e no Líbano, atingindo loucamente equipamentos e infraestruturas civis. Mas também Khamenei não é propriamente um menino do coro.

Mais a leste, Kim prefere – pasme-se! – destruir o seu próprio país, bombardeando estradas e outras ligações ao Sul. Estas ações não só comprometem o futuro da reconciliação entre as Coreias, mas também perpetuam a pobreza e o isolamento do seu regime.

É tudo farinha do mesmo saco! O custo nunca é só o de reconstruir casas, escolas ou pontes, mas também o de regenerar a confiança e a esperança de paz.

À boca da cena apresenta-se agora o retornado Trump. No seu anterior mandato, não iniciou nenhuma guerra em grande escala. Contudo, esteve envolvido em operações militares e conflitos em andamento. Trump, conhecido como o construtor de muros, é mais do que um destruidor de infraestruturas físicas; ele sabe como atacar os alicerces da democracia americana. Com a sua retórica de divisão, bombardeia instituições que sustentam a democracia formal. Desafia processos eleitorais e ataca a imprensa livre.

Parece que a destruição de pontes – diplomáticas e institucionais – está em alta no círculo dos líderes autoritários. Enquanto isso, todos os predadores deste mundo afiam as garras em simultâneo.

Num tal cenário, permanece o papel das organizações internacionais, e aqui entra António Guterres, o defensor incansável do multilateralismo. A sua ação não tem sido agraciada pela sorte, sofrendo os constantes bloqueios das potências que insistem em andar sozinhas.

Desde a retirada de países-chave de acordos importantes, como o Acordo de Paris, até às tensões geopolíticas na Ucrânia e no Médio Oriente, Guterres tem enfrentado um cenário complexo. Ainda assim, a ONU permanece uma plataforma essencial. Apesar de um mundo fragmentado, figuras dedicadas mostram que a persistência no multilateralismo é crucial. Num cenário em que ações individuais têm repercussões coletivas, a cooperação internacional deixa de ser uma escolha e torna-se uma necessidade prática. Valorizar o multilateralismo permite soluções mais justas e eficazes para problemas comuns – uma realidade que precisa de ser reconhecida e incentivada.

 

Nota:

A destruição de infraestruturas civis, como se viu em Guernica, em 1937, é mais do que um ato de guerra: é um símbolo de repressão e violência contra populações inteiras. Picasso imortalizou o horror numa das obras mais icónicas do século XX, exposta no Museu Reina Sofia, em Madrid.

 

 

15
Out24

A Máscara

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No segundo semestre de 2020, vivia-se uma realidade inusitada, em que qualquer encontro era mediado por máscaras e viseiras, e os rostos cobertos alimentavam suposições. Quando caiu a proteção, a realidade revelada muitas vezes surpreendeu, distante do que se havia imaginado.

 

A proteção física acabou por moldar mais do que a simples segurança. Todas as interações eram envoltas numa atmosfera de precaução. Após o primeiro confinamento, sem vacinas à vista, reuniões e outros encontros essenciais faziam-se, inevitavelmente, com máscara. Havia também quem, em alternativa ou acumulação, usasse viseira, ganhando uma aparência futurista que, apesar do contexto, arrancava sorrisos ao primeiro olhar.

Encontravam-se repetidamente pessoas de rosto coberto, e a perceção era sempre falha. Quando, finalmente, a máscara foi removida, os rostos revelados quase sempre surpreendiam, longe das expectativas. Na ausência de pistas visuais, haviam-se desenhado realidades paralelas, tecidas por suposições.

Sem ver sorrisos ou ler rugas de expressão, a mente preenche lacunas com memórias ou estereótipos. Imaginam-se características que podem não corresponder à realidade: um olhar duro, escondendo um sorriso gentil; uma voz seca, encobrindo um coração caloroso. Quando o oculto se revela, a surpresa é inevitável. Um diretor de obra, sempre sisudo, mostrou-se afinal um homem de sorriso afável, desfazendo a imagem severa que involuntariamente tinha criado. Estes momentos trouxeram pequenos choques, lembrando a fragilidade das perceções.

A máscara complicou, claro, a comunicação. As expressões faciais essenciais ficaram ocultas, dificultando a leitura de emoções como alegria, surpresa ou ironia. Para compensar, muitos passaram a gesticular mais ou a variar o tom de voz. Mas será que a comunicação se tornou mais eficaz ou apenas mais desajeitada? O sorriso, uma ponte imediata entre desconhecidos, foi substituído pelo olhar, que tentava transmitir o que a boca escondia. Aprendeu-se a sorrir com os olhos, mas o impacto da falta de expressão completa foi sentido tanto em encontros espontâneos como em reuniões formais.

Curiosamente, algumas pessoas apreciaram o anonimato oferecido pela máscara. Sentiam-se menos expostas ao julgamento dos outros. Tal proteção trouxe, contudo, distanciamento, cortou o vínculo visual e limitou a perceção, criando um certo vazio nas interações. Quão difícil foi manter uma sensação de comunidade sem os rostos que a construíam?

Houve também momentos cómicos. Conta-se a história de uma reunião em que alguém, ao reconhecer uma colega atrás da máscara, a cumprimentou com confiança, perguntando pelo marido imaginário. Ela, com humor afiado, respondeu que o canário tinha resistido à Covid, arrancando revigorantes gargalhadas.

Quando a máscara começou a ficar no bolso, o reencontro com o rosto humano constituiu uma total redescoberta. Esse momento de estranheza, de reconciliação com um rosto completo, sempre trazia emoções diversas. Era como conhecer as pessoas de novo, como se, sem a máscara, se estabelecesse uma nova camada de intimidade.

Durante a pandemia, a máscara transcendeu, e muito, a sua função protetora, tornando-se símbolo de responsabilidade social e confiança na ciência. Para alguns, foi também bandeira de “causas maiores”, refletindo opções políticas que ultrapassam a esfera da saúde pública.

A utilização da máscara, no entanto, não é nova. Diversas culturas usaram-na sempre em cerimónias – máscaras africanas em rituais de passagem, venezianas no carnaval, japonesas no teatro Noh. Estes paralelos culturais destacam o valor da máscara, quer como disfarce, quer como símbolo de poder ou mistério.

Nos tempos modernos, o seu significado mudou, embora permanecendo, na essência, inegável: protege, mas também isola. A máscara física tornou-se o símbolo tangível das barreiras invisíveis que existem e sempre existiram. Tal como as máscaras usadas durante a pandemia escondiam algo, já antes se recorria a máscaras sociais para proteger ou camuflar certos aspetos da identidade. Quantas vezes se oculta aquilo que realmente se é, em prol de uma pretendida aceitação?

O tema ganha ainda mais protagonismo no mundo digital. Afinal, se a máscara física cobre o rosto, nas redes muitos aperfeiçoaram as suas máscaras digitais, esculpindo versões de si mesmos com filtros e ângulos estratégicos que fariam Miguel Ângelo corar de inveja. A dualidade é evidente: entre a selfie retocada e a imagem no espelho, a busca por equilíbrio entre falsidade e autenticidade tornou-se um verdadeiro malabarismo digno de circo. Nas redes sociais, a linha entre o que se é e o que se projeta é tão nítida como a qualidade de uma videochamada em hora de ponta.

E agora, o que esperar? Continuará a máscara a fazer parte do nosso quotidiano ou será relegada para o passado como símbolo de tempos difíceis? E, no fim das contas, o que pode aprender-se com tudo isto? Talvez a lição mais duradoura seja a de não julgar pelas aparências – com ou sem máscara. As barreiras que se erguem, tanto físicas como sociais, revelam mais sobre quem as coloca do que sobre quem as enfrenta. O que realmente importa, enfim, é o olhar que consegue atravessar barreiras, reconhecendo a complexidade do outro. Tal como na história da Bela e o Monstro, o essencial está sempre além do que os olhos veem.

 

13
Out24

Fúria de uma Cabra de Companhia

Poema Pet Friendly

 

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Aurora

Bé-é-é-é! bé-é-é!
Cabra nasce lá na quinta,
olhos sãos, pelagem tinta,
a balir, livre que é!

Cabra aprende a saltitar,
cabra vive a descobrir,
cabra dança até cair,
corre, corre, sem parar!

Cabra cresce, forte e pura.
Mãos afagam, cabra sente
calor, carinho presente,
brotam afetos sem censura.

Inquietação

Cabra corre, cabra cresce. 
Dentro dela arde um vulcão!
Sem limites, nem prisão.
Cabra olha… cabra esquece.

Cada passo, uma explosão!
Corre, raspa chão incerto.
Salta longe, foge perto,
corre cabra, solta a mão.

Cabra luta, não se rende.
Corre cabra, chega a hora!
Foge, foge, sem demora,
não recua, vai em frente.

Dança com o infinito

Corre cabra, corre agora!
Cabra corre, cabra voa,
cabra vive numa boa.
Vento chama, mundo fora!

Mundo gira, solta as garras.
Cabra rola, cabra dança.
Já sem freios, na balança,
corre cabra, sem amarras.

No vazio da imensidão,
cabra busca, sem cansar.
Alma livre a despertar,
coração em confusão!

Peso do sonho

Corre, corre, chão que arde,
tudo foge em fúria fria.
Cabra sente a fantasia.
Corre cabra, sem alarde.

Liberdade tem seu preço,
cabra corre, cabra para,
olha em volta, nada aclara,
alma vira-se do avesso.

Fúria corre sempre além!
Olhos fecham, noite avança,
à beira do rio descansa,
corre cabra, sem ninguém.

11
Out24

Pet Friendly

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A simpática expressão pet friendly, surgida nos Estados Unidos na transição da década de 80 para a de 90, começou por ser a forma de indicar que o cão podia acompanhar o dono mais do que no passeio matinal.

 

De repente, tudo se tornou pet friendly. O café da esquina, o pronto-a-vestir, o consultório do dentista e até o escritório dos mais conceituados advogados. Parece que, se um estabelecimento não ostentar na porta um autocolante com um cachorro sorridente, está condenado ao ostracismo comercial. Isto tornou-se uma espécie de fetiche de inclusão: quem não tiver um espaço ou produto pet friendly, hoje em dia, mais vale nem existir. Até um simples tapete de sala agora precisa de ser amigo dos animais de companhia!

O que começou como uma iniciativa para facilitar a vida de quem tem animais de estimação transformou-se numa estratégia desenfreada de marketing. As marcas descobriram que o apelo ao amor incondicional pelos bichos é uma mina de ouro. Basta colar um pet friendly no produto e, voilà, as vendas disparam. Porque é que as marcas hão de investir em qualidade ou inovação, se podem simplesmente lançar no mercado um aspirador amigo dos animais?

Também não podemos esquecer os influencers e os seus pet posts. Ah, os influencers... Não só eles são estrelas das redes sociais, mas agora também os seus cães e gatos têm perfis no Instagram, promovendo marcas e produtos pet friendly. E quem é que paga a conta? O consumidor, claro, que acha que precisa de uma trela com design para ser cool e consciente. Ninguém será verdadeiramente uma pessoa de corpo inteiro se não tiver um acessório estiloso para o amigo de quatro patas.

Estou realmente ansioso para ver o resultado disto tudo. O conceito de pet friendly esvaziou-se. Lemos a expressão em cada esquina, em cada site, em cada embalagem. Tornou-se um rótulo vazio, uma moda sem substância, repetido até à exaustão, de forma que já ninguém pensa no que de facto significa. É como aquelas palavras que, de tanto serem ditas, se gastam no ruído de fundo.

Ironicamente, enquanto todos se esforçam para ser pet friendly, parece que quem não tem animais é que fica de fora. A exclusão disfarçada de inclusão. Quem não tiver um cão, um gato ou baratas em casa quase precisa de pedir desculpa por não participar deste novo mundo utópico do marketing dos bichos.

No fim das contas, pet friendly tornou-se mais um slogan vazio, um cliché insuportável que nos persegue. Talvez esteja na hora de resgatarmos o verdadeiro sentido da expressão ou, quem sabe, inventarmos uma nova. Que tal human friendly? Parece-me que está a fazer falta.

 

Nota:

Ironia do destino, mesmo eu, crítico confesso do uso exagerado e superficial de certas expressões, vi-me envolvido numa situação curiosa. Sem intenção comercial ou vontade de seguir tendências, escrevi um post que, inesperadamente, se enquadra na categoria de pet friendly (https://cidadesemtino.blogs.sapo.pt/um-jantar-muito-especial-29560). Mas foi uma ação genuína, talvez a prova de que, quando nos despimos das camadas artificiais impostas pelo marketing, ainda podemos encontrar sentido verdadeiro nas palavras.

 

 

08
Out24

O Paradoxo Persa

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O Irão é um país de paradoxos profundos, onde o fascínio se mistura com a estranheza em cada esquina. Um fascínio que nasce de uma cultura com mais de cinco mil anos, cujas raízes mergulham na filosofia de Zoroastro (bons pensamentos, boas palavras e boas ações!) e na grandeza de impérios que marcam a história da antiguidade e do mundo. No entanto, o desenvolvimento tecnológico atual, impressionante nos campos científico e militar, convive lado a lado com tradições que, embora moldadas pela islamização após a conquista árabe no século VII, ainda ditam muitos aspetos do quotidiano. O passado e o futuro encontram-se, mas nem sempre se compreendem.

 

 

Nas ruas e avenidas, homens e mulheres percorrem caminhos separados, como se a geografia do apartheid se desenhasse sob os seus pés. O hijab, o niqab, o chador — cada um conta uma história de silêncios impostos. As mulheres, ao falar com estranhos, especialmente com estrangeiros, sublinham cada frase com o brilho intenso dos olhos e a agitação dos braços, dos quais apenas se veem as mãos longas, dedos de pianista que parecem bailar nas entrelinhas do que não podem dizer.

Várias polícias vigiam-se mutuamente, numa dança de repressão em que o cidadão comum é o espectador indefeso. E, no palco da obediência, a temida polícia de costumes tudo vê, tudo julga. Sob o regime dos Reza Pahlavi, os persas vislumbraram uma liberdade de costumes que nunca se traduziu em democracia política ou justiça social — um vazio que, com Khomeini, foi preenchido com a retórica religiosa, consolidando a autoridade dos clérigos.

Em nome de Alá, o Misericordioso (assim começa todo o discurso oficial), garantiu-se a licitude do regime, e com ela veio o peso de um destino traçado para as mulheres. Nas páginas sagradas do Corão, encontrou-se a justificação para o silêncio e a submissão. A vulnerabilidade da mulher, diante de um futuro que não escolheu, fechou o círculo. Mas, dentro deste silêncio, as mãos e o brilho dos olhos aspiram ainda a uma liberdade por conquistar — uma voz que, embora calada, nunca deixou de querer ser ouvida.

 

Nota:

Foto publicada em dnotícias.pt, 14 de abril de 2023.

 

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Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

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