A América dos Super-heróis
Imagine-se uma América onde heróis de banda desenhada e de palco político se fundem. Neste universo alternativo, o Super-Homem sobrevoa a cidade, ao mesmo tempo que Donald Trump, inspirado pelo seu próprio reflexo heroico, procura restaurar a glória da nação com slogans apelativos e promessas douradas. Em fundo, a banda sonora de Breakfast in America questiona o que há de real neste devaneio cintilante.
Nos céus de Metrópolis, o garante do sonho americano – sonho em que coexistem justiça, liberdade e hambúrgueres ao pequeno-almoço – mantém a vigilância, enquanto, do outro lado do Atlântico, os Supertramp assestam os binóculos com lentes de ironia. Rick Davies e Roger Hodgson oferecem a visão mordaz de quem olha para a terra das oportunidades com um aceno de distanciamento, desconfiados de que tais oportunidades são, no fundo, para quem souber capitalizar bem as ilusões.
Neste universo paralelo, Trump não se contenta em ser apenas presidente. Ele quer mais: quer ser um herói, o Superpresidente. Com o seu estilo larger-than-life, habitualmente exibido nos ecrãs e manchetes, transforma-se numa versão super-heroica de si mesmo. Promete restaurar uma América gloriosa, onde cada cidadão terá direito a um banquete de grandeza – servido, claro, no topo da sua torre dourada, o monumento máximo à ostentação e ao seu próprio legado.
As "meninas da Califórnia" deixam de ser uma referência pop, para se tornarem a face visível de uma utopia feita de consumo e entretenimento, onde tudo brilha, mas nada é o que parece. A cada eleitor é oferecida a promessa de riqueza e poder – como se a América fosse um jogo de aparências, moldado por um reality show sem fim, onde a cultura pop e a política se misturam numa coreografia de promessas vazias.
De um lado, nas páginas da banda desenhada, o Super-Homem, com o seu queixo quadrado, continua a lutar pela verdade e justiça. Do outro, os Supertramp cantam com um sorriso no canto da boca, questionando o que realmente existe por trás deste sonho que tantos perseguem.
Trump, o Superpresidente, move-se numa zona cinzenta – o espaço nebuloso entre a promessa heroica e a dura realidade. Talvez não seja capaz de erguer arranha-céus com uma só mão, mas certamente consegue levantar multidões com uma simples mensagem na rede social X, antigo Twitter, como sói dizer-se. Ele é o herói ideal para uma América onde a fantasia já há muito contaminou a realidade. Uma América que tanto os Supertramp como o Super-Homem conhecem, mas de modo de todo diferente.
Afinal, o Breakfast in America de Trump não se assemelha em nada ao pequeno-almoço da banda britânica. É, antes, um banquete de ilusões, servido com generosas doses de inverdade e promessas que dificilmente serão cumpridas. Ser “super” nunca foi fácil, mas quando o espetáculo se torna mais importante do que a substância, até os maiores heróis acabam por perder-se no brilho excessivo das suas próprias ilusões.