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Cidade sem Tino

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade sem Tino

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

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Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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30
Set24

A Verdade Imaculada do Omo

Omo lava mais branco.jpg

 

 

Antes do Omo, a brancura conseguia-se com sabão, por vezes lixívia, e força de braços. Mas não era a brancura Omo! O que a modernidade pintou nas paredes, como no reboco caiado da fotografia, não era um simples slogan: "Omo lava mais branco!" via-se e ouvia-se por toda a parte, como se a pureza da brancura tivesse finalmente sido aperfeiçoada.

Numa época em que o tempo avançava ao ritmo das conversas à porta de casa, a chegada de produtos como o Omo era um pequeno acontecimento. Mas, convenhamos, não se dependia assim tanto dele. As mulheres já tinham a força necessária para vencer qualquer nódoa, armadas com um caldeirão de água a ferver e o sempre fiel sabão azul e branco. A publicidade, no entanto, prometia facilidades. O que não dizia era que essa nova brancura também exigia o conjunto certo de circunstâncias: roupa lavada com critério, luz solar direta e, quiçá, a vigilância social, atenta tanto à brincadeira das crianças como aos estendais de rua.

E lá está o anúncio, pintado com simplicidade na parede de uma casa modesta, a recordar que a brancura do passado não tinha a sofisticação de um produto que, aparentemente, sabia o que era "mais branco". Era o branding avant la lettre, numa época em que a comunicação se fazia de forma simples e direta, sem as estratégias sofisticadas de hoje. Seja entre portas gastas, olhares curiosos ou ruas onde o progresso avançava devagar, mantendo uma ordem invisível, essa sim o verdadeiro controle sobre opiniões e comportamentos. E assim, o olhar atento sabia que a verdadeira pureza não se media pela brancura da roupa... nem o Omo podia mudar isso.

 

Foto de Gerardo Castelo Lopes, título e data desconhecidos.

 

29
Set24

O Dia em Que a Internet Parou

Internet.jpeg

Foi no final de uma tarde abafada de setembro que os líderes mundiais surgiram em todas as televisões e rádios com uma notícia impensável: a internet seria desligada. De imediato. Sem aviso prévio, sem tempo para despedidas digitais ou backups de última hora.

 

Os rumores tinham começado semanas antes, sussurrados nos becos digitais onde a luz raramente penetra. Falava-se de um colapso global iminente, mas poucos davam ouvidos a tais conspirações. Afinal, a internet era o fio invisível com que se fabricava o tecido da civilização contemporânea – trabalho, relações, conhecimento, memórias. Como poderia alguém, ou qualquer governo, pensar sequer em desligá-la?

E, no entanto, aconteceu. O anúncio foi transmitido exatamente às 18h00 TMG em Nova Iorque, Pequim, Paris, Lisboa, Tashkent e em todas as capitais do mundo. A expressão do rosto dos líderes não deixava margem para dúvidas: algo monumental estava prestes a acontecer.

O Presidente da República Portuguesa já estava perante as câmaras e os microfones. A sua expressão era séria, mas o tom familiar. “Meus amigos, a internet trouxe-nos muito: conhecimento, ligações, oportunidades. Mas também desafios sérios que ameaçam a nossa privacidade e condição humana. Dependemos de algoritmos, esquecemos o essencial: estarmos presentes, com os que nos rodeiam.”

Após uma breve pausa, continuou: “Por razões graves e urgentes, que não posso pormenorizar, a internet será desligada. Sabemos que não será fácil, mas é necessário para nos proteger de uma ameaça maior. Juntos, vamos ultrapassar este desafio.”

E terminou com esperança: “Vamos redescobrir o que nos une. O que verdadeiramente importa nunca será desligado.”

Não houve grandes explicações técnicas, exceto a vaga referência a uma ameaça cibernética global e irreversível. Alguns sugeriram que a inteligência artificial tinha ultrapassado os seus criadores, e que a única maneira de proteger a humanidade era cortar a rede antes que fosse tarde demais. Outros acreditavam que o problema era intrinsecamente humano: uma guerra invisível de informação, em que o controle digital se tornara mais poderoso do que qualquer exército.

A decisão fora tomada à porta fechada, disseram, num bunker secreto algures nos Alpes Suíços, onde os governos se reuniram em conferência urgente. A data do corte? No próprio dia do anúncio. A hora? Às 18h05, precisamente.

No meio do caos que se seguiu, os computadores escureceram, um a um, como estrelas que desapareciam no firmamento tecnológico. Nos escritórios, os trabalhadores fixaram o olhar nos ecrãs, presos entre a incredulidade e o pânico. Em casa, as famílias sentiram a presença tangível da quietude, um vazio onde antes fluíam mensagens, notícias, risos virtuais, influencers a anunciar os seus últimos produtos. De repente, a internet – essa teia invisível que parecia eterna – deixou simplesmente de existir.

Então, no meio do silêncio instalado, o mundo respirou fundo. As pessoas levantaram os olhos e viram-se umas às outras como se fosse a primeira vez. Nas ruas, emergiram conversas há muito adiadas. E de onde antes havia olhares fixos em ecrãs, brotaram sorrisos tímidos.

 

Nota:

A ilustração foi retirada da internet. Como esta, infelizmente, já não existe, não há forma de verificar a fonte. Agradece-se a compreensão dos arqueólogos digitais do futuro.

 

21
Set24

Um Jantar Muito Especial

Um Jantar Muito Especial.jpg

 

 

– Oh, não! Outra vez sopa de legumes! – rosnei, irritado. – Quem me dera ter aqui uma ovelhinha. Fazia já um belo ensopado de borrego!

Eis senão quando… Truz, truz! Quem batia à porta era uma linda ovelhinha.

– Posso entrar? – balbuciou ela, a tremer.

– Claro que sim, minha querida! A casa é tua! Vieste mesmo à hora do jantar – retorqui com um sorriso que não disfarçava as minhas presas afiadas.

A ovelhinha estava cheia de frio.

– Brrrr, brrrr! – resmungava ela.

– Que azar o meu! – admiti. – Logo me calhou uma ovelhinha congelada! Não gosto de comida assim, fria e sem graça!

E então tive uma ideia... Levei-a para perto da lareira e enrosquei-me à volta dela, permitindo que o calor do fogo a aquecesse, enquanto eu folheava a minha receita preferida de ensopado de borrego. Mnham, mnham! Já me crescia água na boca só de pensar no delicioso repasto.

Mas não era eu o único que estava com fome. A barriga da ovelhinha também já estava a dar horas…

– Que azar o meu! – pensei. – Não posso comer uma ovelhinha esfomeada! Até ia fazer-me mal ao estômago!

Ofereci à ovelhinha uma cenoura.

– Assim, já tenho borrego recheado!

A ovelhinha devorou a cenoura tão depressa que ficou com soluços.

– Hic, hic, hic! – fazia ela sem parar.

– Ai, ai! Que azar o meu! – lamentei-me com razão. – Quem é que come uma ovelhinha com soluços? Até pode ser contagioso!

O problema é que eu não percebia nada de soluços. Como é que se fazia para os calar de vez?

Tentei tudo: atirei a ovelhinha ao ar, virei-a de cabeça para baixo, abanei-a de um lado para o outro, mas nada resultou! Hic! Hic! Então, peguei nela ao colo e comecei a dar-lhe palmadinhas no lombo. Os soluços não tardaram a passar e ela adormeceu, enroscada no meu pescoço.

Fiquei perplexo porque nunca tinha sido abraçado pelo meu futuro jantar. E como seria expectável, a fome, afinal, já não era tanta…

A ovelhinha ressonava baixinho encostada às minhas orelhas.

– Rrrrooonchhh, rrrrooonchhh! – fazia ela.

– Que azar o meu... – suspirei. – Como é que vou devorar uma ovelha que ressona?

Sentei-me na velha cadeira de balouço, com a ovelhinha ao colo, e senti uma calma estranha. Já nem me lembro da última vez que alguém se aninhou assim nas minhas patas.

Mas mal comecei a cheirar a ovelhinha, fiquei deliciado com o seu cheiro doce e reconfortante!

– Ohhh! – suspirei. – Se eu a comesse depressa, ela nem sequer dava por isso.

E quando me preparava para trinchar a ovelhinha… a fulana acordou e deu-me um grande beijinho! Chuac!

– Nããooo! – gritei. – Isso não vale! Eu sou um carnívoro e tu és um ensopado!

– Um enlatado? – perguntou a ovelhinha a sorrir. E confessou: – Eu sei lá o que é isso!

– Que é que eu faço à minha vida?! – exclamei. – Bom, vais mesmo ter de te ir embora!

Com fiemeza, pus a ovelhinha na rua, mas primeiro dei-lhe um agasalho.

– Some-te daqui! – gritei. – Se tu ficares, como-te e depois já não podes arrepender-te.

E com um grande estrondo fechei a porta. Bang!

Lá fora, a noite era escura e fria. E a ovelhinha não parava de bater.

– Oh, Olivier! Olivier? – suplicou ela. – Deixa-me entrar!

Mas eu tapei as orelhas e pus-me a cantar “Lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá!” até a ovelhinha desistir. Finalmente, tudo estava em silêncio.

– Ainda bem que ela já se foi embora! – suspirei, aliviado. – Aqui não estava em segurança. Um tipo esfomeado como eu é sempre capaz do pior!

Mas pouco depois, comecei a pensar na ovelhinha, sozinha e desamparada na escuridão da floresta.

– Talvez ela morra de frio… Talvez se perca… Talvez caia nas garras de um predador qualquer… Oh, não! O que é que eu fui fazer? – questionei-me, arrependido.

Sem perda de tempo, levantei-me num pulo e abri a porta, sentindo o frio da noite invadir a casa. Mas não havia sinal da ovelhinha. Nem qualquer pegada na noite. A floresta parecia mais sombria do que nunca. Corri em desespero pela floresta, chamando: – Ovelhinha, ovelhinha! Volta, por favor! Prometo que não te como! Só quero que estejas segura!

A minha cabeça não parava. A ideia de nunca mais a ver começou a pesar de uma maneira estranha, como se algo estivesse a apertar-me o coração. Cansado e encharcado, depois do que pareceu uma eternidade, voltei para casa, cabisbaixo e com as patas pesadas. Estava completamente abatido.

Quando entrei, qual não foi o meu espanto! Não podia acreditar! Ali, ao pé da lareira, enroscada e segura, estava a ovelhinha.

– Voltaste! – exclamei, incrédulo. Senti um enorme alívio. – És mesmo tu? Não tens outro sítio para onde ir?

A ovelhinha abanou a cabeça com um sorriso doce e tímido.

– Que-que-queres ficar aqui co-comigo? – convidei eu a gaguejar.

A ovelhinha olhou-me, olhos nos olhos.

– E tu prometes que não me comes? – quis ela saber.

– Não! Claro que não! – assegurei. Dizia-me o instinto que eu devia fazer o contrário, mas como é que seria capaz de comer uma ovelhinha que precisava de mim? Até podia ficar com o coração partido…

A ovelhinha sorriu e atirou-se para as minhas patas.

– Estás com fome, enlatado? – perguntei, abanando a cauda timidamente. – Que tal uma sopinha de legumes?

 

Notas:

- Este conto é uma adaptação livre de “A Ovelhinha que Veio para Jantar”, de Steve Smallman, ilustrado por Joelle Dreidemy.

- No final desta versão revista e aumentada, decidi abrir um restaurante vegetariano com a ovelhinha, porque, afinal, a sopa de legumes não é assim tão má, desde que eu tenha companhia!

 

17
Set24

O Dever acima de Tudo ou a Insaciável Crueza do Ter

rico e gordo.jpg

 

Só por ironia se pode confundir o substantivo da expressão “o dever acima de tudo!” com o verbo transitivo dever, no sentido de “ter uma dívida de 500 escudos”. E, no entanto, esta confusão é reveladora. O "dever" moral, como obrigação inescapável, carrega consigo uma carga tão pesada como qualquer dívida monetária. Há professores de Português que passam catrefadas de deveres. Por supuesto debemos estarles agradecidos – a gratidão é, também ela, uma espécie de dívida moral. Seja como for, dever hoje 500 escudos é mais do que improvável. Nem o escudo nem as dívidas duram eternamente. Mas o dever é como aquele parente chato que nunca se vai embora, sempre a lembrar-nos de como as coisas têm de ser, mesmo quando fingimos não ouvir.

Se o "dever" é essa presença incómoda e constante, o "ter" é o outro lado da moeda, igualmente implacável. Esmiuçando: "a insaciável crueza do ter" expõe a sua natureza faminta, a ambição que jamais se sacia. Como o dever, o ter é também uma expectativa esmagadora, mas ao contrário do primeiro, o seu peso é distribuído de modo desigual: quem mais tem mais quer. A crueza do "ter" não reside apenas na quantidade, mas na tirania que impõe. É o império da posse, onde a fortuna decide arbitrariamente os seus favoritos. Má fortuna, por sua vez, é quase sempre a norma, enquanto poucos acumulam o que para tantos outros será eternamente inalcançável.

Ter não é senão um verbo – simples, despojado de complementos – mas transforma-se num substantivo – teres – quando designa o que alguém possui, por vezes à custa de outros. Numa sociedade que valoriza o ter acima de tudo, as desigualdades tornam-se quase naturais. No entanto, o "dever" e o "ter" não são forças opostas; coexistem, alimentam-se uma da outra. Quem tem deve. Quem deve deseja ter. E, assim, fecha-se o ciclo.

O espetáculo, claro, tem de continuar!

 

A frase "The show must go on" em Os Cavalos Também se Abatem (1969), realizado por Sydney Pollack, simboliza a cruel indiferença de um espetáculo que, mesmo diante da exaustão e do sofrimento humano, exige continuidade a qualquer custo.

Da mesma forma, "The show must go on / The show must go on, yeah / Inside my heart is breaking / My make-up may be flaking / But my smile still stays on" (1991), dos inesquecíveis Queen, expressa a luta para prosseguir, ainda que o coração ameace sossobrar.

 

15
Set24

Realidades

Quixote.jpg

 

 

A realidade “real” oscila entre um poço roto de melancolia e um vulcão de emoções. É, definitivamente, uma incerteza constante, uma dança entre extremos que nos escapa das mãos.

A realidade aumentada é tão vasta que, paradoxalmente, só com lentes de reduzir se consegue ver o essencial. Ampliamos o mundo, mas, neste processo, talvez percamos a clareza do que é importante.

Entretanto, as fake news deslizam nas águas inquinadas dos coletores, em paralelo com a água cristalina que corre da fonte. Ambas as realidades parecem coexistir como se partilhassem a mesma pureza, iludindo-nos enquanto nos deixamos enganar, confundindo verdade com mentira.

Prefiro, no entanto, que a realidade seja projetada para ambientes de desejo, ainda que os projetos venham a ficar na gaveta. Há algo de sublime em construir castelos na areia, mesmo sabendo que a maré inevitavelmente os levará. Afinal, não é a permanência, mas o ato de sonhar que nos move.

E neste mundo de realidades fragmentadas, se me fosse dado decidir o que fazer na vida, escolheria, apesar de todas as adversidades, a vida de cavaleiro andante. Alguém que, no meio da confusão do presente, continue a procurar, a acreditar e, sobretudo, a lutar, mesmo que o mundo à volta insista em dissolver-se como areia na maré.

 

Foto encontrada nos confins da internet. Autor desconhecido, desde já se assinalando o talento anónimo.

 

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No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
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Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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