– Oh, não! Outra vez sopa de legumes! – rosnei, irritado. – Quem me dera ter aqui uma ovelhinha. Fazia já um belo ensopado de borrego!
Eis senão quando… Truz, truz! Quem batia à porta era uma linda ovelhinha.
– Posso entrar? – balbuciou ela, a tremer.
– Claro que sim, minha querida! A casa é tua! Vieste mesmo à hora do jantar – retorqui com um sorriso que não disfarçava as minhas presas afiadas.
A ovelhinha estava cheia de frio.
– Brrrr, brrrr! – resmungava ela.
– Que azar o meu! – admiti. – Logo me calhou uma ovelhinha congelada! Não gosto de comida assim, fria e sem graça!
E então tive uma ideia... Levei-a para perto da lareira e enrosquei-me à volta dela, permitindo que o calor do fogo a aquecesse, enquanto eu folheava a minha receita preferida de ensopado de borrego. Mnham, mnham! Já me crescia água na boca só de pensar no delicioso repasto.
Mas não era eu o único que estava com fome. A barriga da ovelhinha também já estava a dar horas…
– Que azar o meu! – pensei. – Não posso comer uma ovelhinha esfomeada! Até ia fazer-me mal ao estômago!
Ofereci à ovelhinha uma cenoura.
– Assim, já tenho borrego recheado!
A ovelhinha devorou a cenoura tão depressa que ficou com soluços.
– Hic, hic, hic! – fazia ela sem parar.
– Ai, ai! Que azar o meu! – lamentei-me com razão. – Quem é que come uma ovelhinha com soluços? Até pode ser contagioso!
O problema é que eu não percebia nada de soluços. Como é que se fazia para os calar de vez?
Tentei tudo: atirei a ovelhinha ao ar, virei-a de cabeça para baixo, abanei-a de um lado para o outro, mas nada resultou! Hic! Hic! Então, peguei nela ao colo e comecei a dar-lhe palmadinhas no lombo. Os soluços não tardaram a passar e ela adormeceu, enroscada no meu pescoço.
Fiquei perplexo porque nunca tinha sido abraçado pelo meu futuro jantar. E como seria expectável, a fome, afinal, já não era tanta…
A ovelhinha ressonava baixinho encostada às minhas orelhas.
– Rrrrooonchhh, rrrrooonchhh! – fazia ela.
– Que azar o meu... – suspirei. – Como é que vou devorar uma ovelha que ressona?
Sentei-me na velha cadeira de balouço, com a ovelhinha ao colo, e senti uma calma estranha. Já nem me lembro da última vez que alguém se aninhou assim nas minhas patas.
Mas mal comecei a cheirar a ovelhinha, fiquei deliciado com o seu cheiro doce e reconfortante!
– Ohhh! – suspirei. – Se eu a comesse depressa, ela nem sequer dava por isso.
E quando me preparava para trinchar a ovelhinha… a fulana acordou e deu-me um grande beijinho! Chuac!
– Nããooo! – gritei. – Isso não vale! Eu sou um carnívoro e tu és um ensopado!
– Um enlatado? – perguntou a ovelhinha a sorrir. E confessou: – Eu sei lá o que é isso!
– Que é que eu faço à minha vida?! – exclamei. – Bom, vais mesmo ter de te ir embora!
Com fiemeza, pus a ovelhinha na rua, mas primeiro dei-lhe um agasalho.
– Some-te daqui! – gritei. – Se tu ficares, como-te e depois já não podes arrepender-te.
E com um grande estrondo fechei a porta. Bang!
Lá fora, a noite era escura e fria. E a ovelhinha não parava de bater.
– Oh, Olivier! Olivier? – suplicou ela. – Deixa-me entrar!
Mas eu tapei as orelhas e pus-me a cantar “Lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá!” até a ovelhinha desistir. Finalmente, tudo estava em silêncio.
– Ainda bem que ela já se foi embora! – suspirei, aliviado. – Aqui não estava em segurança. Um tipo esfomeado como eu é sempre capaz do pior!
Mas pouco depois, comecei a pensar na ovelhinha, sozinha e desamparada na escuridão da floresta.
– Talvez ela morra de frio… Talvez se perca… Talvez caia nas garras de um predador qualquer… Oh, não! O que é que eu fui fazer? – questionei-me, arrependido.
Sem perda de tempo, levantei-me num pulo e abri a porta, sentindo o frio da noite invadir a casa. Mas não havia sinal da ovelhinha. Nem qualquer pegada na noite. A floresta parecia mais sombria do que nunca. Corri em desespero pela floresta, chamando: – Ovelhinha, ovelhinha! Volta, por favor! Prometo que não te como! Só quero que estejas segura!
A minha cabeça não parava. A ideia de nunca mais a ver começou a pesar de uma maneira estranha, como se algo estivesse a apertar-me o coração. Cansado e encharcado, depois do que pareceu uma eternidade, voltei para casa, cabisbaixo e com as patas pesadas. Estava completamente abatido.
Quando entrei, qual não foi o meu espanto! Não podia acreditar! Ali, ao pé da lareira, enroscada e segura, estava a ovelhinha.
– Voltaste! – exclamei, incrédulo. Senti um enorme alívio. – És mesmo tu? Não tens outro sítio para onde ir?
A ovelhinha abanou a cabeça com um sorriso doce e tímido.
– Que-que-queres ficar aqui co-comigo? – convidei eu a gaguejar.
A ovelhinha olhou-me, olhos nos olhos.
– E tu prometes que não me comes? – quis ela saber.
– Não! Claro que não! – assegurei. Dizia-me o instinto que eu devia fazer o contrário, mas como é que seria capaz de comer uma ovelhinha que precisava de mim? Até podia ficar com o coração partido…
A ovelhinha sorriu e atirou-se para as minhas patas.
– Estás com fome, enlatado? – perguntei, abanando a cauda timidamente. – Que tal uma sopinha de legumes?
Notas:
- Este conto é uma adaptação livre de “A Ovelhinha que Veio para Jantar”, de Steve Smallman, ilustrado por Joelle Dreidemy.
- No final desta versão revista e aumentada, decidi abrir um restaurante vegetariano com a ovelhinha, porque, afinal, a sopa de legumes não é assim tão má, desde que eu tenha companhia!