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Cidade sem Tino

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade sem Tino

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

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Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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Jul24

Geoestratégia

 

Muito antes de Vladimir e Volodymyr aparecerem na cena internacional, já se ouvira falar de um tal Baldemiro e das suas estórias. Costumava pedir cimbalino...

 

Geoestratégia.jpg

 

Baldemiro orientava-se bem na vida. Residia no único apartamento que lhe restara, herança de uma família outrora abastada que dominava metade do bairro, após o imóvel ter sido dividido em propriedade horizontal. Sacrificados os anéis, tinham-se poupado os dedos...

A fração autónoma ao lado da sua pertencia agora a Oriana, uma jovem por quem Baldemiro tinha uma secreta paixoneta. Ele permanecia durante horas à cata de Oriana, debruçado o mais que lhe era possível na varanda, a cantar baixinho músicas do Rui Veloso. Uma vez, Oriana reagiu: “Você fala praticamente espanhol, certo?”

Num belo sábado à tarde, Baldemiro resolveu convidar a vizinha a irem à Miss Pavlova tomar um cimbalino pingado. Oriana, sempre elegante e reservada, com um olhar determinado que refletia a sua personalidade e independência, respondeu: “Obrigada, mas estou a fazer dieta!”. Baldemiro, visivelmente frustrado, murmurou: “F…, isto nõo puode ser berdade, carago!”. Oriana, mantendo a postura firme e digna, apenas comentou: “Dizer asneiras é feio, ponto final”.

Foi a gota de água! Durante dias, ele postou-se à varanda, de peito nu, a fazer ginástica e, de tanto exercício, pulou, com a agilidade de um gato, para o lado de Oriana. Numa ação repentina, confinou-a ao quarto interior e tomou posse da sala com vistas para o Douro.

Com Baldemiro a dominar a sala e a sua varanda, a incerteza começou a espalhar-se pela vizinhança, que ao aperceber-se da situação lançava olhares preocupados. Ele, podendo ver tudo e todos, ia assobiando calmamente enquanto refletia sobre os próximos movimentos. Até ao dia em que passou a assobiar o “Anel de Rubi” à lourinha do andar de cima...

 

26
Jul24

Votos

 

A todos os amigos do peito, amigos de outras partes e conhecidos,

aos amoladores de tesouras, caixeiros-viajantes, pesquisadores de ouro,

artífices de bugigangas, artistas plásticos e não plásticos

e engenheiros hidráulicos com olhos azuis,

aos cientistas militares, politólogos civis,

sujeitos passivos da guerra, agentes ativos da paz,

vizinhos de famílias desavindas,

descontentes e solucionadores do descontentamento,

ainda aos sonhadores e amantes,

pessoas que menstruam e pessoas que não menstruam – com uma nota especial para o grande João das Regras –

bem como aos que dormem e a todos os que não mencionei, se os houver,

os mais sinceros votos, conforme o caso, de bom trabalho ou excelente fim de semana.

 

21
Jul24

Beijar o Cão na Boca

Beijar o cão.jpg

 

 

Um recente estudo realizado pela Universidade de Lisboa, em parceria com o Royal Veterinary College do Reino Unido, traz um alerta alarmante para os cuidadores de animais: beijar um cão pode ser mais perigoso do que parece! A investigação revelou que a saliva canina pode abrigar superbactérias resistentes a antibióticos, capazes de causar doenças graves e até fatais em humanos.

Este dado levanta uma questão importante sobre como interagir com os animais de companhia e leva a ponderar diferentes práticas culturais relacionadas com tais interações. Conhece-se, por exemplo, a expressão do Norte de África “é preciso beijar o cão na boca”. Numa sociedade predominantemente muçulmana que interpreta o cão como o “outro”, isto é, o cristão, este ato poderá simbolizar uma tentativa de convivência pacífica e respeitosa, superando barreiras de preconceito. Por outro lado, num contexto em que o cão é considerado impuro, dir-se-á que beijá-lo pode ser mais bem entendido como expressão de desprezo.

Também o cinema explora complexidades culturais ao retratar interações entre humanos e seres de quatro patas, usando este tipo de encontros para abordar temas de igual modo profundos. No “ABC do Amor” (“Everything You Always Wanted to Know About Sex”, adaptado ao grande ecrã em 1972), a história da atração de um bom médico por uma ovelha tresmalhada ilustra bem esta ideia. Curiosamente de seguida, na cena talvez mais emblemática, Allen, no papel de espermatozoide, enfrenta o inevitável impulso do sistema reprodutor, que o lançará no salto para o abismo desconhecido.

A maior incerteza, a grande dúvida existencial reside no que ocorrerá depois desse momento originário.

 

08
Jul24

Território do Nada

1_Deserto.jpg

 

Well I am telling you there is hope. I have seen it. But it does not come from governments or corporations. It comes from the people.

Uma paisagem desértica desdobra-se, marcada por terreno irregular e montanhoso. A areia, em diversas tonalidades e texturas, forma pequenas dunas e cristas onde o vento soprou, quase apagando as pegadas – vestígios de um viajante recente ou talvez de um animal – que contrastam com a vastidão desabitada. A luz suave, provavelmente do fim de tarde, dá um tom dourado à cena, destacando a sua beleza serena e desolada.

Há seis mil anos, o Saara era uma área verdejante. Oscilações no eixo da Terra transformaram esta região num deserto – um processo natural, ao contrário da atual desertificação provocada pela atividade humana e pelas alterações climáticas. “Fogo que arde”, visível e notório, tempestades, inundação súbita dos “saudosos campos do Mondego”…

O território é como um papel de desenho. Lembro-me das palavras gaguejantes, mas certeiras, do meu mestre:

Olhai, senhores! Quando desenhamos... vede! Quando riscamos, o mais importante… aquilo que importa, senhores, é [definitivamente] não estragar a beleza de uma folha de papel em branco.

A aceleração das alterações climáticas tem impacto em todos os setores de atividade. Neste contexto, economistas e sábios de diversas áreas podem reduzir o papel do deserto a uma espécie de natureza morta. Paralelamente, o negacionismo ganha voz – uma recusa em enfrentar verdades desconfortáveis. “Os eunucos devoram-se a si mesmos.” O negacionismo nega-se a si próprio.

Enquanto isto, o vento e a areia compõem e recompõem a paisagem com as suas próprias lógicas e estéticas. São eles os elementos do deserto, os escultores de cenários e texturas.

 

Notas de citação:

“Well I am telling you there is hope” (Greta Thunberg).

“Fogo que arde sem se ver” e “saudosos campos do Mondego” (Luís de Camões).

“Os eunucos devoram-se a si mesmos” (José Afonso).

 

08
Jul24

O Outro Lado do Teste

Os sintomas eram febre, tosse e fadiga; ela desconfiou de imediato da COVID, especialmente porque ouvira as últimas notícias sobre o aumento de casos.

 

Sentia calafrios ao lembrar-se do contacto de risco que tivera. Decidiu ir à farmácia. Explicou a situação ao farmacêutico, que lhe entregou um teste para fazer em casa.

As instruções de uso eram claras, e o novo método de colheita da amostra revelou-se uma surpresa agradável, evitando aquela pressão incómoda nas narinas. Recolheu o material com cuidado, aplicou algumas gotas no dispositivo e esperou, ansiosa. O coração acelerado, cada segundo parecia uma eternidade enquanto a lembrança de relatos sobre complicações lhe inundavam a mente.

O teste processou rapidamente a informação, mostrando o resultado sem sombra de dúvida negativo. Sentiu um alívio imediato, pensando: “Pronta para a próxima!”

Só não esperava que o dispositivo medisse também as semanas de uma eventual gravidez.

 

06
Jul24

Memória de uma Queda

Queda.jpg

 

Nunca mais hei de esquecer aquele sábado de manhã, quando eu ainda era miúdo. O sol brilhava forte, lançando sombras contrastadas sobre as traseiras da casa de meus pais. Operários reparavam a fachada do edifício vizinho, numa época em que a segurança no trabalho deixava muito a desejar. O ritmo incessante dos martelos e a música intercalada com publicidade no Rádio Clube Português criavam um fundo sonoro vibrante.

Foi então que ocorreu o acidente. Um pintor, encavalitado no andaime, balançou perigosamente antes de cair de uma altura de três andares. O estrondo da queda interrompeu toda a atividade em redor. Com o coração acelerado,  observei tudo da janela, incapaz de desviar os olhos da cena que se gravaria para sempre na minha memória.

Surpreendentemente, o pintor atingiu o solo primeiro. O seu cabelo, como se tivesse vontade própria, flutuou no ar por alguns instantes antes de cair. Uma perplexidade muda tomou conta do ambiente, até que risos nervosos começaram a espalhar-se.

Soube-se, mais tarde, que o operário usava Pantene, que atrasa a queda do cabelo.

 

05
Jul24

Tudo se Há de Resolver

Quando os dinossauros governavam a Terra, havia uma certeza sobre o nome dos planetas do Sistema Solar. Mercúrio, Vénus, Terra… até Plutão. Eu tinha de conhecê-los da frente para trás e de trás para a frente. Plutão, Neptuno, Urano… até Mercúrio. Desde então, a existência de nove planetas tornou-se para mim um facto inabalável, digno do mesmo respeito e reverência que se confere aos dogmas mais sagrados, não abertos à discussão, inquestionáveis, absolutos.

 

Vai para 20 anos, Plutão foi expulso do clube dos planetas do Sistema, tal como se apagam dos ficheiros partidários os militantes que não pagam quotas. Tudo ocorreu ao arrepio de qualquer iniciativa multilateral, sem acordo de saída nem sequer diálogo e – veja-se a gravidade da coisa – sem audiência prévia dos interessados plutónicos. 

Ora a palavra “planeta” tem um poder psicológico que ajuda a entender tratar-se de um lugar importante no espaço. Por isso, considero o caso Plutão uma grave heresia face à crença no funcionamento do universo: sem dúvida, o rombo original na minha confiança na Ciência e nos astrónomos.

O segundo rombo é bastante mais recente. Em contraste com as palavras dos ambientalistas – “ouçam os peritos: não há planeta B” – os norte-americanos anunciaram a descoberta de um exoplaneta do tamanho da Terra, situado em zona habitável, logo, proporcionando novos “solos urbanizáveis” à escala cósmica. Nada se cria, nada se perde…

Que, então, se goze e explore la dolce vita enquanto é possível. Quando o cartão de crédito ambiental for bloqueado, tudo se há de resolver. Felizmente, há outras Terras no universo e eu mal posso esperar que abram as reservas de viagem.

 

Fontana di Trevi.png

 

Marcello Mastroianni e Anita Ekberg na Fontana di Trevi, fotograma de La Dolce Vita, 1960. Na circunstância, não lhes ocorreu tomar banho em casa.

Em Portugal, a Lei dos Solos de 2014, ainda não aplicada em diversos Municípios, eliminou a categoria de “solos urbanizáveis” com o objetivo de mitigar a especulação imobiliária, maximizar o aproveitamento das infraestruturas e promover o desenvolvimento sustentável das áreas agrícolas, florestais e naturais.

 

04
Jul24

Anjos entre Nós

O mundo é feito de muitos mundos.

Alguns estão ligados… outros não.

 

As Asas do Desejo.jpg

 

A citação supra lembra As Asas do Desejo, esse desvendar da vivência humana praticado por “anjos que andam pelo mundo” e observam a vida dos mortais, em busca de compreensão e sentimentos partilhados.

Cada observação, cada encontro, é um vislumbre de mundos que se cruzam e se afastam, em que as emoções se entrelaçam num tecido invisível de experiências.

 

Nota: Citação de Dias Perfeitos, de Wim Wenders.

 

04
Jul24

Sanitários Públicos de Tóquio: Arquitetura e Cinema

 

Em Dias Perfeitos, Wim Wenders apresenta uma Tóquio multifacetada, onde os sanitários públicos projetados por arquitetos de renome são parte integrante do cenário urbano. O filme capta a cidade através de planos que exibem tanto a grandiosidade dos arranha-céus quanto o caráter de espaços coletivos meticulosamente desenhados, como é o caso dos novos sanitários.

Estas instalações, concebidas por nomes como Tadao Ando, Kengo Kuma e Shigeru Ban para os visitantes da cidade por ocasião das Olimpíadas de Tóquio 2020, transcendem a sua funcionalidade básica. Trata-se de micro-universos de arte e inovação tecnológica, que fornecem um pano de fundo rico para exploração das sutilezas da vida quotidiana.

 

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Por exemplo, o design de Kuma, com uso extensivo de madeira, contrasta com a aplicação, feita por Ban, de paredes de vidro colorido que se tornam opacas ao serem trancadas, simbolizando privacidade no meio da vastidão urbana.

 

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Hirayama, personagem principal do filme, é um dedicado trabalhador de manutenção desses espaços, cuja rotina meticulosa oferece um contraponto poético à vida efervescente de Tóquio. A narrativa de Wenders aprofunda temas como solidão e pertença, observáveis tanto na interação das pessoas nos sanitários públicos como no isolamento sentido por entre a multidão urbana.

A igualdade é um tema recorrente ao longo do filme, encapsulado na poderosa observação de Wenders:

A bathroom is a place where everyone is equal – there is no rich or poor, no old or young; everyone is part of humanity.

Para mergulhar na visão estética e temática de Wenders, assista ao trailer aqui. Mesmo nos recantos vulgares do quotidiano, é possível que se revelem profundas meditações sobre a essência da humanidade.

 

As fotografias são de sanitários públicos de Tóquio, a primeira no parque de Nabeshima Shoto, desenhada por Kengo Kuma, e a segunda no parque de Yoyogi Fukamachi, projeto de Shigeru Ban.

Perfect Days ganhou o Prémio de Melhor Ator para Kōji Yakusho e o Prémio do Júri Ecuménico em Cannes.

 

01
Jul24

Fundamentalismos

Fundamentalismos.jpg

 

Se os fundamentalistas ocupassem as nossas serras no interior, incendiariam as almas, espalhando o medo nos corações. A sua sombra arrastar-se-ia pelas colinas, transformando a esperança em cinzas.

A não ser que o mar, já a invadir a orla costeira, chegasse a essas partes. As águas, subindo impetuosas pelas encostas áridas, cobririam a terra. Na sua vastidão líquida, apagariam o fogo do ódio e as cicatrizes deixadas pelo medo, trazendo de volta a calmaria.

Vade retro! Andarão eles por aí? Por enquanto, tudo não passou de um sonho mau de uma noite de verão. Um pesadelo dissipado pela aurora. Sinal de que a luz dança delicadamente na borda da escuridão.

 

Foto: Wakil Kohsar/AFP, publicada na secção internacional do “Le Monde”, 18 de outubro de 2022.

 

 

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No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
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