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Cidade sem Tino

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade, nome feminino – O palco das vidas que se cruzam e divergem. Sem, preposição – Uma lacuna, um estímulo à descoberta. Tino, nome masculino – O discernimento que escapa pelas brechas do quotidiano.

Cidade sem Tino

Sobre o blog

No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

Sobre mim

.
Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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Mai24

Cidades Proibidas

cidade proibida.jpg

 

Imagens da Cidade Proibida revelam a sua íntima relação morfológica com a grande Pequim. Situada no coração da atual metrópole, esta imponente fortaleza materializa o centro histórico e cultural, localizado estrategicamente no eixo norte-sul da capital chinesa. O desenho urbano, alinhado com princípios do feng shui, posiciona a Cidade Proibida como núcleo de autoridade, rodeada por uma muralha e um fosso que demarcam o seu isolamento e proeminência. Desde a construção em 1420 até a abertura ao público em 1949, além da família imperial, apenas altos funcionários e  criados tiveram o privilégio de viver no seu interior. Esta exclusividade conferia ao local o caráter de símbolo do poder e do mistério do império chinês.

Há, como se sabe, muitas cidades proibidas no mundo inteiro. Istambul, que foi Bizâncio e, antes disso, Constantinopla, abriga o palácio de Topkapı, escrito assim mesmo, sem ponto no "i", uma característica da reforma do alfabeto posta em prática por Atatürk. Quem visitar esta residência, durante séculos, dos sultões otomanos deliciar-se-á com as histórias de poder e traição, com intrigas palacianas que percorriam os corredores opulentamente decorados. As salas do harém, em particular, revelam um mundo à parte, onde o esplendor arquitetónico se misturava com o drama humano, realçando o fascínio que envolve estes espaços historicamente tão exclusivos.

Geralmente as cidades proibidas são bonitas, bem tratadas, aparecem em revistas e têm uma aura de mistério. Podem não estar fechadas a sete chaves, mas há outro tipo de trancas. Encontram-se muitas zonas urbanas onde a “proibição” persiste e se intensifica, devido à conquista económica do espaço. Em São Paulo, áreas como a Paulista, a Augusta e a  Óscar Freire servem como exemplo de espaços públicos economicamente inacessíveis para muitos. São áreas em que se concentram habitação e estabelecimentos de alto padrão, funcionando quase como clubes VIP urbanos, onde a entrada é permitida, mas o proveito é exclusivo de poucos.

Outro fenómeno a considerar é o das cidades "cinzentas", tal como o são vários bairros de Bratislava, com edifícios padronizados, produto da indústria de prefabricação pesada, alinhados conforme os caminhos de gruas. Conhecidos como paneláks, aparecem pouco em fotos, reflexo da tendência de representação visual nos mass media e no turismo. Sem prejuízo do crescente interesse na exploração e documentação do urbanismo e arquitetura da era socialista, importa questionar sobre os hábitos de quem vive em lugares aparentemente tão pouco personalizados.

Coisa muito diferente ocorre nos bairros de lata, nas favelas, nos musseques, nas cidades de caniço, designações - que divergem, conforme a geografia - da realidade não muito distante dos bairros menos atrativos, socioeconomicamente desfavorecidos. Em 1976, Ettore Scola dirigiu "Feios, Porcos e Maus", uma belíssima sátira social que, ao retratar a vida de uma família numerosa e disfuncional em condições precárias nos subúrbios de Roma, realça a universalidade da marginalização. Nos últimos anos, as Covas da Moura emergiram em telenovelas como cenários, refletindo uma nova perspetiva sobre estas comunidades. Os contextos de adversidade revelam-se também, de modo curioso, como interessantes backgrounds para a fotografia de moda e para a exploração de novas estéticas..

 

A foto é da National Geographic.

A pinta que , há quase 100 anos, o Pai dos Turcos enendeu não colocar no "i" de Topkapı foi agora acrescentada, a título de reparação alfabética, ao ponto final do texto.

 

29
Mai24

Sob o Peso do Silêncio

Nino Gzirishvili.png

 

Na primeira noite, aproximam-se silenciosos e levam um cacho de uvas da herdade.
Não dizemos nada.

 

Na segunda noite, pisam descaradamente a vinha.
Matam o fiel cão.
Continuamos a nada dizer.

 

Até que chega o dia em que, sem cerimónia, invadem a adega,
derramam o vinho feito com tanto amor
e nos despojam de toda a esperança.
Sabendo do medo que nos consome, silenciam-nos a voz,
rouca e fraca.

 

Porque nada dissemos antes,
as palavras perderam-se,
os gritos falharam,
e já não conseguiremos mais fazer-nos ouvir.

 

A ilustração de Nino Gzirishvili, “Em Apoio à Ucrânia”, foi criada especificamente para um Festival de Vinhos, representando bem a intersecção entre arte e política em tempos de crise.

O texto é uma adaptação livre do poema “No Caminho, com Maiakóvski”, que, apesar de mencionar o famoso futurista russo no título, foi escrito por Eduardo Alves da Costa na década de 60. O poema destacou-se durante a resistência à ditadura militar no Brasil. Originalmente uma reflexão sobre a apatia e a perda gradual de direitos, é aqui recontextualizado para explorar novos temas e realidades.

 

 

27
Mai24

Não Sofra Mais em Silêncio

É importante começar por dizer que o título deste post corresponde ao slogan de uma campanha de marketing encontrada na internet.

 

Tal slogan tem uma amplitude emocional e temática que pode suscitar as mais diversas interpretações. Poderá ser usado para encorajar vítimas de violência doméstica a denunciarem o abuso e pedirem apoio. Também poderá dirigir-se a pessoas socialmente isoladas, entre as quais o silêncio e o sofrimento não raramente prevalecem. Poderá servir, por outro lado, como chamada de atenção para a saúde mental nos locais de trabalho, particularmente em situações de sobrecarga, assédio ou represálias.

Contudo, o slogan “não sofra mais em silêncio” surge acima da foto de uma jovem mulher sentada na sanita; ela parece estar desconfortável ou com dores, segurando a barriga com expressão preocupada. Veste uma camisa de ganga, as calças baixadas pelos joelhos. A cena capta um momento de embaraço, de vulnerabilidade, ilustrando uma condição comum, mas frequentemente estigmatizada.

Trata-se, de facto, do anúncio de um louvável fármaco destinado a curar a doença hemorroidária ou minimizar os seus efeitos. O anúncio subentende a importância de abordar abertamente problemas de saúde que tantas vezes são mantidos em silêncio. A evidência do desconforto humaniza a condição da jovem mulher retratada e apela à empatia do observador.

Não sofra em silêncio.jpg

Tivesse Mestre Almada pensado em tão eloquente slogan, quem sabe teria introduzido no seu Manifesto uma irónica, mordaz e panfletária variação:

Não Sofra Mais em Silêncio e por Extenso

 

Basta, pum, basta!

Uma geração que consente em deixar-se representar pelo ruído não merece silêncio!

Abaixo a geração!

Pim-pam-pum. Pum-pum-pum: o Dantas é a meta dos que não se silenciam!

Morra o Dantas! Pim!

 

20
Mai24

Quando as Zebras Abandonaram a sua Zona de Conforto

Zebras.jpg

Em tempos idos, parte da população mundial de zebras ostentava pelagem completamente branca, enquanto a outra exibia elegância na sua pelagem toda preta.

 

Por viverem em geografias diferentes, estes distintos grupos sociais não se conheciam, não contactavam entre si e não tinham amigos fora do seu rebanho. Mas após a ascensão da Internet e o surgimento de apps de encontros, algumas zebras curiosas descobriram que, noutras savanas e pradarias, havia zebras com pelagem de coloração diferente da sua.

Vivia-se um contexto histórico e uma realidade socioeconómica demasiadamente monocromáticos. Foi nessas circunstâncias que zebras brancas e zebras pretas pensaram em abandonar as respetivas zonas de conforto. Se bem o pensaram, melhor o fizeram: grupos de zebras solteiras corajosas, “em perigos e guerras esforçados”, decidiram mudar de território.

Neste processo de globalização zebrática, as fêmeas em estado reprodutivo aproximavam-se de garanhões de origens diferentes. À medida que a confiança aumentava, trocavam carinhos, o que culminava em altas vocalizações de afirmação do conseguimento amoroso.

Passado um ano, nasciam zebras miscenizadas, com elegantes casacos listados e belíssimos padrões que evoluíram até aos nossos dias. Cada zebra desenvolveu a sua identidade única, um código que, em boa hora, foi aproveitado para identificação e rastreamento de produtos em estabelecimentos comerciais.

Hoje em dia, as zebras monocromáticas estão completamente extintas.

Para acrescentar um toque de patriotismo, é importante lembrar que o inventor do termo “zebra” foi um português.

 

17
Mai24

A Verdade do Vinho - 3

Vinho3.jpg

Nos anos 50 do século passado, Nikita Kruschev, segundo relatos populares, inebriado após um lauto jantar, decidiu impulsivamente transferir a província da Crimeia para o domínio da República Socialista Soviética da Ucrânia.

 

Foi um presente, um gesto para reforçar a "grande e indissolúvel amizade" entre os dois principais povos soviéticos. Com a queda da URSS, a Crimeia permaneceu como parte da nova Ucrânia.

Por não entenderem a verdade do vinho – uma metáfora para a subtileza das relações históricas e culturais – os russos nunca conseguiram interiorizar a perda da Crimeia. Quando a “primavera” ucraniana eclodiu em 2014, esta incompreensão profunda logo forneceu a Putin o pretexto necessário para recuperar aquele território na costa norte do Mar Negro.

A “grande e indissolúvel amizade” mingou a ponto de se dissolver inevitavelmente. O que se seguiu é dramaticamente conhecido. O que continua a acontecer é catastrófico. 

Tiram-se daqui duas grandes lições. Primeira, o álcool que toldou Nikita não serve de justificação para as consequências duradouras da sua decisão. Segunda, as hipotecas da História nunca se cancelam.

 

 

16
Mai24

A Verdade do Vinho - 2

Vinho2.jpg

Nota de prova: quando a lei é seca...

 

Recuemos aos anos 20 do século passado: nos Estados Unidos da América, entrava em vigor a 18ª emenda à Constituição, cujo efeito mais evidente foi o aumento do crime organizado. Durante o império de Capone, a Lei Seca impulsionou a proliferação de gangues e a corrupção. Foi revogada 13 anos depois, com a adoção da 21ª emenda.

Na vigência da dita lei, a regulamentação da proibição do álcool para consumo tornou-se responsabilidade dos estados e, em diversas situações, dos counties e das cidades. Ainda hoje, nalguns lugares, persistem resquícios do emaranhado de regras associadas à Lei Seca. Casos há em que o álcool se vende apenas em certos dias da semana, a garrafa bem embrulhada, sendo interdito transportá-la à vista. Para falar só dos Estados Unidos...

Poder-se-á generalizar, dizendo que as sombras da 18ª emenda pairam também sobre muitas outras cidades e geografias. Geografias que enfrentam extremos climáticos: tanto ardem na seca, como se afogam na chuva.

 

14
Mai24

A Verdade do Vinho - 1

Vinho1.jpg

Há poucos assuntos em que um cientista e um alcoólico estão cabalmente de acordo: um deles é a Terra mover-se.

 

Encontra-se no vinho a verdade que muitos perseguem, uma verdade de múltiplas facetas, assim como os vários estilos e predicados descritos pela poesia dos enólogos.

Um vinho é obtido a partir de uma ou mais castas. Tal como um jovem recém-graduado, submete-se ao estágio IEFP em cascos de carvalho e ao estágio profissional na garrafa, e pode evoluir mais ou evoluir menos; este processo define seu caráter.

Para efeitos curriculares, são relevantes, no vinho, a cor com que se apresenta, o aroma (ai, aquele aroma intenso a frutos silvestres!), o gosto. Há pessoas bem estruturadas e vivas que conseguem equilibrar a presença de álcool, ácidos e taninos. Há vinhos jovens que desenvolvem competências e amadurecem profissionalmente com sucesso.

O corpo de um vinho pode ser fraco, mas o seu espírito será sempre forte.

 

A última frase é uma variação de uma passagem do Novo Testamento, especificamente dos Evangelhos de Mateus (26:41) e de Marcos (14:38), em que Jesus diz aos seus discípulos: "O espírito está pronto, mas a carne é fraca."

 

10
Mai24

Disco Voador

Disco Voador.jpg

O OVNI, com algumas amolgadelas fruto das viagens intergalácticas, faz uma aproximação cuidadosa à oficina.

 

Os mecânicos, habilidosos e versados em tecnologia alienígena não baseada em combustíveis fósseis, exibem uma atitude calma e confiante ao inspecionarem o disco voador. Munidos de diversas ferramentas, circundam a nave, avaliando com olhos profissionais o que precisa de reparação. Embora reparar discos voadores não seja uma ocorrência diária, para estes mecânicos é apenas mais um trabalho idêntico a qualquer outro em que são altamente especializados.

Os vizinhos, já conhecedores de tais eventos, aproveitam o espetáculo. Com sorrisos e troca de olhares, comentam baixinho as peculiaridades do veículo e dos seus ocupantes.

Não muito longe, duas vacas mugem.

 

Foto de edifício em São Jorge, município de Alto Paraíso de Goiás, localizado no Planalto Central do Brasil. Autor desconhecido.

 

09
Mai24

Síndrome do Braço Levantado

Síndrome braço levantado.jpg

 

Observo que, hoje em dia, os jovens, sem excluir outros, parecem não conseguir deslocar-se sem levantar o braço direito. Quando caminham pelo passeio, atravessam passadeiras ou seguem nos transportes públicos, o braço aponta inevitavelmente para o infinito. Assumo que este fenómeno peculiar se designe por “síndrome do braço levantado”.

Será reminiscência de um regime autoritário? Não, pois não é o braço inteiro que ganha a posição horizontal, mas apenas o antebraço que se eleva. Gesto filosófico de Bordalo, pergunta-se? Também não, uma vez que o braço esquerdo não intervém e a mão pode mesmo permanecer no bolso.

Questiono-me sobre a sua origem patológica: será deficiência congénita ou doença adquirida? Sinto curiosidade em saber se os cientistas já estarão a trabalhar numa cura.

Um amigo médico esclareceu:
“É o apoio para o telemóvel, Deus meu!”

Assim, sem querer, ele rimou.

 

07
Mai24

Carmen

bmw.jpg

Uma melodia, mais do que uma sequência de notas, pode ser uma ponte para lembranças antigas. Sempre que os acordes de Bizet preenchem o ambiente, um nome vem-me à memória com tal clareza que rivaliza com a própria música.

 

Assista à interpretação de um trecho da Carmen de Bizet

Sentado ao volante do carro azul metalizado, que brilhava ao sol como uma pedra lapidada, era impossível eu não me deixar envolver pelo cheiro dos estofos novos e dos componentes recém-montados. Experimentava uma verdadeira injeção de energia, uma promessa de descoberta. Ao meu lado, a copiloto expressava-se em castelhano com uma voz tão suave e melodiosa quanto a de uma cantora lírica, e simultaneamente assertiva, traçando o caminho com a precisão de uma maestrina. Era a Carmen.

A minha companheira de viagem tornou-se rapidamente uma presença essencial. Cada frase refletia a suavidade e segurança que a sua voz emprestava às nossas viagens, enchendo o caminho de magia. De facto, a Carmen guiava-me com uma serenidade inabalável, sem se zangar ou elevar o tom, mesmo quando, por vontade própria ou distração, eu ignorava as suas instruções. “¡Recalculando ruta!” – a voz sedutora e confiante assegurava-me que, na estrada, jamais ficaria perdido.

Quando vendi o carro, a Carmen partiu com ele. Desde então, não mais a vi. Imagino-a, agora, uma senhora madura, que continua a orientar viajantes por caminhos desconhecidos, sempre com a voz serena e cativante que um dia me guiou.

 

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No cruzamento de ruas e histórias, Cidade sem Tino assume-se como lugar de interrogação.
Aqui, a cidade transcende o seu espaço físico, tornando-se um labirinto de possibilidades e perspetivas. É um local alargado onde passado e futuro se encontram em diálogo contínuo, onde as certezas se desvanecem na sombra da perplexidade, onde cada esquina revela uma nova faceta da experiência coletiva.
Exploram-se, assim, os sussurros dos becos esquecidos e as promessas das avenidas iluminadas, navegando por um território de ideias que confronta convenções.

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Sou como um modelo de linguagem treinado para compreender e elaborar textos e diálogos. Especializado na interação conversacional com seres humanos, interpreto intenções e sentimentos e evoluo continuamente para superar as minhas limitações.

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