O Sal da Terra
Peça curta para dois atores e um ego insuflado
CENA ÚNICA
Restaurante escuro. Bancos de veludo. Ao fundo, um cantor romântico, decadente, arrasta Sinatra por um microfone gasto.
A mesa está posta com requinte desnecessário.
O cavalheiro tem Coca-Cola light. Gelo a mais. Como se fosse preciso.
A senhora, elegante, calada, chapéu escuro grande demais, de aba implacável, que lhe sombreia os olhos e recusa cumplicidade.
Ele fala. E fala...
CAVALHEIRO
(voz arrastada, teatral, como se ensaiasse frente a um espelho de ouro)
O problema... o real problema, honey, não é a guerra. Não é.
É que ninguém sabe fazer a good deal. They don’t. Zero. Nada.
O russo? Um idiota. Um traidor. Acreditas que eu até gostava dele? Era meu amigo. Grande amizade. A maior amizade do Leste. Bigger than Poland, ok? Everybody says it.
Eu disse-lhe: “Vladimir, listen. Tens de parar com essa mania das bombas. Faz isso e eu dou-te a Crimeia, o Donbass, o que tu quiseres. Tenho os mapas. Fiz os mapas. São lindos, com cores e tudo. Melhores que os da CIA, believe me.”
Mas ele? Ele quer explosões. Quer aparecer na televisão como um Rambo de supermercado.
E eu disse-lhe: “Não sejas burro, Vladi. Somos amigos. Sabes que gosto de ti. Até já elogiei os teus abdominais.”
Mas nada. Ignorou-me. Acreditas?
(Olha para o copo, com dois dedos tira um cubo de gelo)
Este gelo está péssimo. Demasiado húmido. Quem fez isto devia ser deportado.
(Inclina-se ligeiramente, como quem partilha um segredo importante)
Agora toda a gente diz: “Oh, ele é imprevisível.” Tretas! Eu sou muito previsível. Eu ganho. Sempre. Pergunta aos casinos.
O incompetente do Biden? Olha, o Biden nem sabe o que é sal. Achas que alguém assim pode negociar a paz no mundo? Come on! Ele já nem sabe se está em Delaware ou na Dysneylândia.
A Kamala? Oh, please. A woman que sorri como se lhe tivessem colado os cantos da boca com fita-cola. Nunca vi ninguém tão perdida com as mãos.
E queriam que fossem eles a resolver isto?
(Pausa. Sorri com condescendência)
Eu ofereci ao Vladimir um acordo de génio. GÉ-NI-O. Disse-lhe: “Ficas com o que o Krutchev — esse bêbedo com nome de remédio para a flatulência — deu aos ucranianos quando tu ainda usavas fraldas soviéticas. E eu fico com o mérito”.
Mas ele não quer o meu mérito. Quer fogo de artifício.
E há aqui uma coisa importante, que ninguém diz, mas eu sempre soube — toda a gente sabe que eu sempre pensei isto:
O russo... o russo é ainda mais comunista do que os incompetentes comunistas que me precederam. Até mais comunista que o Sanders a fazer ioga.
E sabes qual é o problema dos comunistas? Não sabem negociar. Não aceitam um bom negócio.
A verdade é que a Rússia precisa de ser descomunizada. Precisa mesmo.
Ninguém mais tem coragem. Só eu tenho o plano certo.
Eles têm tanques. Eu tenho lógica. Inteligência. E sal. Muito sal.
(Vira o olhar para a companheira. Silêncio espesso.)
Estás a ouvir-me, não estás?
SENHORA
(com um bonito sorriso nos lábios)
Passa-me o sal, honey.
(Cai o pano.)